COM FORÇA E COM VONTADE
“Tem certas coisas que nem sei dizer...”
As coisas e as pessoas acontecem em nossa vida de forma intempestiva. A cada esquina, a cada quebra-molas, a cada sinal de trânsito, onde quer que seja, por menos óbvio que nos pareça, sempre nos acontece alguém. São pessoas especiais, talvez exatamente por acontecerem. Destoam desta vida de “marketing”, de insinuações, de produções oblíquas, que não se justifica, mas que prepondera sobre as demais.
O mundo do imediatismo, do “oi” mal dado, mal pronunciado, ou mesmo apenas sugerido com um leve balançar de cabeça – para que a produção dos cabelos não se altere – é uma marca de nosso tempo. Um tempo em que as pessoas se “coisificaram”, em que as marcas se tornam indeléveis e tornaram obscuro e menor nosso lado pessoal. Infelizmente, este é um tempo em que se privilegia a aparência e não a essência, a quantidade da amizade e não a sua intensidade.
Por essas e outras assombra-nos a presença de alguém que não precisa nos dirigir a palavra para que percebamos seu carinho, sua presença acolhedora, seu aplauso. Paradoxalmente, estas pessoas é que se tornam dignas de nossa reverência. São poucas, mas existem, nos meios mais obscuros e – por que não? – escuros.
É muito agradável receber, seja por telefonemas, cartas, e-mails ou scraps no orkut, o agradecimento de ex ou atuais alunos. Costumo dizer que este é o verdadeiro pagamento do professor. Nada mais gratificante que ver nossos outrora pupilos se tornarem grandes profissionais – quando não nossos colegas - e pessoas. Afinal a intenção das pessoas é – ou deveria ser – lutar contra a efemeridade das relações. Não se trata de fugir do campo profissional, mas aliá-lo, sempre que possível, ao pessoal. Quando tal não for possível, que este prevaleça.
Nesta mesma linha de raciocínio, pode-se citar o quão gratificante é receber um leve balançar de cabeça de um vocalista de um grupo musical em uma noite de “show” à guisa de cumprimento; todavia muito mais gratificante é perceber, nos menores detalhes, que o mesmo não o faz para receber como troco o aplauso de seu público. É muito bom perceber quando o mesmo se dirige à nossa mesa, no intervalo, antes, durante ou após o show. E melhor ainda é quando chegam as agradáveis mensagens suas via internet.
Os verdadeiros artistas não são aqueles que garimpam um público, mas aqueles que o criam. Este dom poucos possuem. O carisma não é algo que se produz. Não se pode falsificá-lo. Pode-se percebê-lo nas menores atitudes de um artista, no seu olhar, no seu gesto de ok, de mão sobre o coração, ou mesmo no aplauso devolvido.
Todo verdadeiro artista não se coloca em um pedestal, mas eleva o outro a ele. Torna-se até mesmo constrangedor ser elogiado por estas pessoas, quando, na verdade, são – e se tornam cada vez mais – dignas de nossos elogios. Esta abnegação encanta, seduz, inebria.
Como é agradável sair, em uma sexta-feira, à noite, após uma cansativa semana de trabalho, para assistir a um verdadeiro espetáculo! Saber que não seremos apenas mais um na imensidão escura de um público. que seremos cobrados por nossa ausência na semana anterior. que, ao sair, seremos convidados – realmente – a voltar.
Mas também nos gratifica saber que nossos ídolos lêem nossos textos. que nossos ídolos aplaudem nossos textos. que nossos ídolos nos cobram que escrevamos mais. Este incentivo tem o dom de fazer um escritor bissexto renascer das cinzas frias, se não mortas. Esta atitude deixa claro que o artista quer companhia. Que ele quer dividir sua glória. Que ele torce pelo sucesso alheio. Que ele não se encontra na mediocridade que grassa o mundo, vez que é superior. E a sua superioridade consiste exatamente em dividir o palco. Ele sabe, e diz com suas atitudes, que sua estrela brilha mais intensamente quando acompanhada.
Não podemos admitir, no mundo competitivo em que vivemos, atitudes egoístas. Pode parecer exótico, mas veneno se combate com veneno. Devemos preservar o companheirismo, a solidariedade, sob pena de imergirmos em uma guerra surda de egos, cada vez mais inflados. Neste contexto, qualquer ato altruísta chama a atenção e deve ser respeitado, elogiado, enaltecido.
Assim, compete às pessoas que possuem este dom exercitá-lo plena e efetivamente, compartilhando-os. Negar-se seria um ato, se não infame, no mínimo desastroso; aceitar é assumir o seu papel de pessoa engajada, inserida na luta pela salvação da sociedade. E é um prazer inenarrável conhecer e conviver com pessoas assim.
Mas, apesar de todos os prazeres citados, nada supera o de escrever um texto pensando em alguém, e saber que este alguém vai ler. E gostar. E aplaudir. Como sempre.
“Há de molhar o seco / de enxugar os olhos / de iluminar os becos / antes que seja tarde...”
Pra você, Tim