EXAGEROS À PARTE
Não conheço outros países tão bem quanto esse nosso Brasil. Por vários motivos. Entre ele é que até hoje só fui até ali, do outro lado do Rio Grande, e por uns outros pequenos motivos mais. Apesar disso conheço quase todo o mundo e percorri todos os quadrantes de nosso planeta em várias épocas. Graças aos livros; as artes plásticas, ao teatro, a fotografia, ao cinema e, sobretudo, graças à música, essas fontes de prazer e de conhecimento. E não podem ficar de fora os jornais, as revistas e a propaganda......reflexo da sociedade contemporânea. E esse meu conhecimento aumentou ainda mais com a internete, que me deu em poucos anos o que levei séculos para descobrir sem ela. Quero saber mais e espero ainda, em breve, poder ser tele-transportado, como é o senhor Spock e seus companheiros da Enterprise, e ver tudo de perto, apalpar o quer der e aprender mais.
Assim, com todos esses “devices and tools”, daqui onde estou, posso avaliar muitas culturas, entender hábitos, usos, cacoetes, modos de ser, manias e, penso, muito mais, pois a raça humana é toda movida por dois sentimentos principais entre outros secundários: paixão e ódio. Amor, raiva,saudade,angustia,medo,compaixão,ciúmes,alegria,felicidade...e quantos outros mais! Nada simples, é verdade, porém são previsíveis as atitudes, que deles decorrem. Ora, se impeço alguém de realizar um desejo, certo ou errado, mexo em algum sentimento; de revolta talvez. Ou de frustração, ou sabe-se lá de que outro tipo e com qual intensidade.
Entendo como é difícil obter-se a unanimidade, quando interesses distintos e contrários são os ingredientes de composição do consenso. Parte-se da impossibilidade e não da necessidade concreta, do benefício coletivo, da vantagem comum. E isso ocorre, sistematicamente, nos parlamentos republicanos dos regimes democráticos, onde todas as ações de governo são discutidas, votadas e aprovadas para que sejam validadas e assim, só então, aplicadas. Em nosso país, onde as leis são discutidas antes de serem aprovadas pelo parlamento, em tese, temos uma característica. Muito nossa; há quem afirme que é uma herança dos tempos do vice reinado. É nossa mania de exagerar tudo; de tornar tudo maior, de fazer em quantidade. Aqui tudo é grande, o maior do mundo. Do carnaval ao rio Amazonas; da floresta ao pantanal. Coisas boas e ruins; temos a maior favela da América latina, o melhor jogador de futebol do mundo, o “Maior São João do Mundo”, em Campina Grande. Afora nossas exclusivas invenções originais, únicas no mundo, como o jogo do bicho e o cheque pré-datado. Em geral, aqui porém em particular, o que é grande ou existe em quantidade tem mais valor. Um livro com lombada de 3 centímetros, 480 páginas, formato mais de 25 cm por mais de 30 cm, é mais importante do que outro com a metade de tudo isso.É mais vistoso! Digo por que já ouvi isso de editores. Reportagem de página inteira em jornal nem sempre é mais importante e nem causa maior impacto. Uma frase, algumas linha, numa coluna relevante de um jornal diário pode causar mais estragos.
Como, por exemplo, mandar o povo correr aos postos de saúde e vacinar-se contra febre amarela, de uma colunista da Folha de São Paulo. A correria virou epidemia, e não a doença.
A quantidade nunca deu garantias de qualidade e nem o tamanho vale mais e assegura bom desempenho, como se sabe. Há exceções, sem dúvida. Mas no parlamento brasileiro a regra é quanto mais leis melhor. A questão é votar e aprovar leis e mais leis. Nesse momento, só na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal, 814 projetos de lei aguardam votação assim que acabar esse tal de recesso parlamentar. Na Câmara Federal, 178 projetos de lei, 85 resoluções e 40 decretos aguardam a volta dos deputados para discussão e aprovação. Essa quantidade exagerada não garante à sociedade, entretanto, um melhor e mais justo ordenamento. No meio de tudo há muita coisa inútil e irrelevante, como homenagens, batismo de instituições com nomes ilustres, autorizações e concessões. E entre as mais relevantes dessas leis aguardando votação estão as PECs, as Propostas de Emenda Constitucional. São 289 propostas para emendar nossa Constituição que com apenas 19 anos de idade já recebeu 63 r/emendos(as). É muito. E se compararmos com a Constituição dos Estados Unidos da América, (país que, apesar de muitas de suas políticas adotadas serem rejeitadas em vários países, é a maior economia mundial e ordena todo o sistema econômico – 30% de tudo o que é produzido no planeta é comprado por eles) a Constituição brasileira é um verdadeiro “patchwork”. A Constituição Americana que tem 210 anos de idade recebeu até hoje, apenas 26 emendas. Não gosto muito de fazer comparações pois sempre corro o risco de cometer alguma injustiça e um juízo torto sobre o que não sei de fio a pavio. Mas tomar como referência um bom exemplo sempre me ajudou a acertar na mosca sem nenhum risco de arrependimento. Qualificar, o que seja, de bom pelo tamanho, pela quantidade, pelo peso ou por parâmetros subjetivos e duvidosos – como “todo mundo gosta, todo mundo faz, todo mundo quer” - não lhe dá a verdadeira dimensão; a verdadeira importância e sua relevância. Quando 18 milhões de ligações telefônicas - suponho que cada uma uma pessoa, representando outras mais, talvez 10 – são feitas em um espaço de uma hora para eliminar alguém de um “reality show” de TV tem-se a falsa idéia de que o dito programa é bom, relevante e importante. E não é.
Exageramos muito em quase tudo, para aumentar o valor e a importância de coisas e de pessoas ou a elas atribuímos qualidades superiores e incomparáveis com o que é apenas dever e obrigação de todos; como honestidade, por exemplo.
A complexidade das leis confunde os cidadãos aumentando seu descumprimento; de alguns por ignorância de outros por esperteza. Conhecem a lei e da complexidade dela tiram proveito para descumpri-la sem o risco da pena. Considero aberração uma lei, depois de discutida,votada, aprovada e em vigor, somente ter validade depois de ser regulamentada. São meandros jurídicos que desconheço, e que por isso, não estou autorizado a ir mais adiante. Porém, confesso - e acho que devemos nos confessar todos - ainda não soube de nenhuma emenda a nossa Constituição que tenha trazido relevante transformação a nossa exagerada sociedade. Uma transformação radical, que justificasse a emenda, garantindo boa saúde e boa educação, indistintamente, a todos os brasileiros, exageradamente.