Feriado da ilusão
Feriado na sexta-feira: "Ah, que maravilha!", dizem. Dessa exclamação, porém, não compartilho. Desconfio de feriados às sextas-feiras, ainda que seja considerado feriado santo. Aliás, desconfio de qualquer feriado que se diga "santo". Feriado em si já constitui transgressão, desordem, violação à linha de produção. Às sextas-feiras, contudo, são mais graves: tiram todo brilho do sábado, colocam-no em segundo plano, tornando-o um domingo desfaçado.
Deveria haver uma lei segundo a qual os feriados previstos para sextas-feiras seriam transferidos necessariamente para as terças ou quintas-feiras. Deveria existir, também, uma segunda lei, que previsse que, quando houvesse feriados às terças ou quintas-feiras, seria feriado a semana inteira. Assim, haveria hesitação digna no meio da semana e a quebrar da espinha dorsal do calendário.
Mas enquanto essas lei não chegam ao Congresso, figurarem apenas na minha imaginação, vou me permitindo contemporizar com a simples ideia de um dia virem a existir na prática e no papel.
Enquanto não chega esse dia, que julgo nunca chegará, vou me permitindo ludibriarem-me. Perder-me no tempo, no espaço; sair para correr meus 10 km, como quem segue um ritual sagrado, madrugada ainda; o céu, um borrão indeciso entre escuro e cinza; um silêncio frio e denso; correr leve, em câmera lenta; perceber cachorros em vigília; o senhor sem ser o Senhor regando plantas; ao final dos 10 km, chegar à conveniência, comprar água e a recepcionista me perguntar o que vou fazer no resto do sábado.
— Sábado? Como assim sábado? Hoje não é domingo não?
— Hoje é sábado, moço. Ontem foi feriado, sexta da Paixão.
Sai da conveniência perplexo, imaginando feriado de sexta como um cavalo de Troia, que supostamente me entrega um dia a mais, entretanto sussurra no meu calendário interno uma mentira. Uma mentira que me faz acreditar que estou adiantado, vivendo em um domingo, quando estou, conforme o calendário oficial, apenas perdido em um sábado melancólico com gosto de sexta-feira.
Sem dúvida, me pregou uma grande peça esse feriado santo: me fez acordar antes da cidade (o que não é novidade alguma, porém), correr 10 km para lugar nenhum e descobrir que todo esse meu heroísmo matinal não passou de um grande mal-entendido.