LEMBRANÇAS
Falar de nossos avós é uma tarefa fácil, principalmente quando convivemos com eles uma boa parte de nossas vidas. Minha avó paterna era meio vaidosa e não aceitou muito a gravidez de minha mãe, pois isso implicava em ter que aceitar o fato de ser avó, consequentemente, aceitar que a velhice estava chegando. Ocorre que nem bem acabara de nascer e ela estava toda emocionada e contente com o meu nascimento. Ainda bem. Ela chamou meu Avô e este me tomou nos braços e pediu a proteção de Deus sobre minha vida e o direcionamento do meu destino, inclusive que eu fosse um doutor. Creio que aquela oração foi muito importante, pois acabei sendo o primeiro membro da família a concluir o curso superior e a usufruir o tratamento de doutor sem que isso me faça mais que qualquer pessoa, pois todos somos ignorantes só que em áreas diferentes já dizia o filósofo.
Quando estava com pouco mais de um ano, viemos de Rancharia para Osasco onde moramos em várias casas sempre pagando aluguel.
Minha “Vó Belinha” tinha um nome meio raro e ninguém jamais a chamou pelo seu nome correto que era Umbelina Ferreira de Souza. Recordo-me que ela era analfabeta, mas gostava de ouvir a leitura da Bíblia e para tanto me chamava para esse mister à beira da cama. Mas um milagre aconteceu, acredite quem quiser. Minha avó pedia tanto em suas orações que Deus a ajudasse a aprender a ler que depois de algum tempo, ela lia com algum esforço os seus textos prediletos.
No dia 1º de abril de 1960, vovó dormiu serenamente e nunca mais levantou. Eu dizia que vovó falecera, mas a garotada ria achando que tudo não passava de pegadinha de primeiro de abril, dia da mentira.
Meu avô, por outro lado, era uma pessoa brincalhona, um bonachão.
Às vezes pegava a gaita de boca e começava a assoprar canções como “Asa Branca” e musicas sacras como “Eu avisto uma terra feliz” e outra vezes, ele declamava versos dos repentistas conhecidos em sua infância nas terras cearenses. “Entre Crato e Barbalha, Missão velha e Bom Jardim, soldado do Juazeiro, terreno do meu Padim”. Em seguida vinha a gargalhada gostosa emendada por outros versos que diziam mais ou menos o seguinte: “Alexandre da Cafuba, Cassimiro Côco, comendo mandioca puba, na serra do Araripe com carne de porco baé.” Outra gargalhada e lá ia velho Cícero Rodrigues de Souza, meu avô, com a cinta por fora dos passadores da calça e os sapatos com aberturas feitas no couro com uma faca, em pontos estratégicos dos seus calos.
Era benquisto por todos e me lembro ainda que vagamente, das peripécias que enfrentava para chegar até o Mercadão Santa Rosa para comprar verduras que eram vendidas no Km.18, em Osasco, na época mais conhecido como Chácara dos Padres.
Ele se aposentara em Rancharia onde trabalhou no Matarazzo, mas os proventos recebidos do extinto IAPI não dava para cobrir o necessário para a sobrevivência, então, ele vendia verduras, fabricava canecos a partir de latas de leite e, por último, explorava uma lavanderia e tinturaria que, para ser franco, não era lá essas coisas, mas tinha alguns clientes fiéis. Era um trabalhador polivalente e ele mesmo dizia ter catorze artes e dezessete necessidades. Ele possuía um humor refinado e dizia ser mestre de obras feitas.
Com o avanço da idade ele foi morar com a Tia Dalva com quem permaneceu o resto de seus dias. A única foto que tenho do meu avô está perdida entre a papelada, ainda em preto e branco e ele segura o meu filho Anderson em seus braços vendo-se ao fundo uma bananeira que existia no quintal da tia Dalva lá na rua Princesa Isabel.
Algum tempo depois, o Vô Cíço também partiu deixando uma saudade imensa. Eu que sou um avô moderno, vejo um mundo tão diferente. Meu neto domina o computador o seu aparelho de vídeo game de última geração , não precisa e nem poderia contar com minha ajuda em suas brincadeiras eletrônicas já que não entendo nada desses games. Por outro lado, ele não tem o mesmo privilégio que tive, ou seja, em meio a tanta correria não tem um avô que faça um concerto exclusivo de gaita ou qualquer outro instrumento.
Daqui há algum tempo, meu netinho será avô e as lembranças e histórias de seu neto serão muito diferentes das deles e das minhas..
Assim caminha a humanidade.
Falar de nossos avós é uma tarefa fácil, principalmente quando convivemos com eles uma boa parte de nossas vidas. Minha avó paterna era meio vaidosa e não aceitou muito a gravidez de minha mãe, pois isso implicava em ter que aceitar o fato de ser avó, consequentemente, aceitar que a velhice estava chegando. Ocorre que nem bem acabara de nascer e ela estava toda emocionada e contente com o meu nascimento. Ainda bem. Ela chamou meu Avô e este me tomou nos braços e pediu a proteção de Deus sobre minha vida e o direcionamento do meu destino, inclusive que eu fosse um doutor. Creio que aquela oração foi muito importante, pois acabei sendo o primeiro membro da família a concluir o curso superior e a usufruir o tratamento de doutor sem que isso me faça mais que qualquer pessoa, pois todos somos ignorantes só que em áreas diferentes já dizia o filósofo.
Quando estava com pouco mais de um ano, viemos de Rancharia para Osasco onde moramos em várias casas sempre pagando aluguel.
Minha “Vó Belinha” tinha um nome meio raro e ninguém jamais a chamou pelo seu nome correto que era Umbelina Ferreira de Souza. Recordo-me que ela era analfabeta, mas gostava de ouvir a leitura da Bíblia e para tanto me chamava para esse mister à beira da cama. Mas um milagre aconteceu, acredite quem quiser. Minha avó pedia tanto em suas orações que Deus a ajudasse a aprender a ler que depois de algum tempo, ela lia com algum esforço os seus textos prediletos.
No dia 1º de abril de 1960, vovó dormiu serenamente e nunca mais levantou. Eu dizia que vovó falecera, mas a garotada ria achando que tudo não passava de pegadinha de primeiro de abril, dia da mentira.
Meu avô, por outro lado, era uma pessoa brincalhona, um bonachão.
Às vezes pegava a gaita de boca e começava a assoprar canções como “Asa Branca” e musicas sacras como “Eu avisto uma terra feliz” e outra vezes, ele declamava versos dos repentistas conhecidos em sua infância nas terras cearenses. “Entre Crato e Barbalha, Missão velha e Bom Jardim, soldado do Juazeiro, terreno do meu Padim”. Em seguida vinha a gargalhada gostosa emendada por outros versos que diziam mais ou menos o seguinte: “Alexandre da Cafuba, Cassimiro Côco, comendo mandioca puba, na serra do Araripe com carne de porco baé.” Outra gargalhada e lá ia velho Cícero Rodrigues de Souza, meu avô, com a cinta por fora dos passadores da calça e os sapatos com aberturas feitas no couro com uma faca, em pontos estratégicos dos seus calos.
Era benquisto por todos e me lembro ainda que vagamente, das peripécias que enfrentava para chegar até o Mercadão Santa Rosa para comprar verduras que eram vendidas no Km.18, em Osasco, na época mais conhecido como Chácara dos Padres.
Ele se aposentara em Rancharia onde trabalhou no Matarazzo, mas os proventos recebidos do extinto IAPI não dava para cobrir o necessário para a sobrevivência, então, ele vendia verduras, fabricava canecos a partir de latas de leite e, por último, explorava uma lavanderia e tinturaria que, para ser franco, não era lá essas coisas, mas tinha alguns clientes fiéis. Era um trabalhador polivalente e ele mesmo dizia ter catorze artes e dezessete necessidades. Ele possuía um humor refinado e dizia ser mestre de obras feitas.
Com o avanço da idade ele foi morar com a Tia Dalva com quem permaneceu o resto de seus dias. A única foto que tenho do meu avô está perdida entre a papelada, ainda em preto e branco e ele segura o meu filho Anderson em seus braços vendo-se ao fundo uma bananeira que existia no quintal da tia Dalva lá na rua Princesa Isabel.
Algum tempo depois, o Vô Cíço também partiu deixando uma saudade imensa. Eu que sou um avô moderno, vejo um mundo tão diferente. Meu neto domina o computador o seu aparelho de vídeo game de última geração , não precisa e nem poderia contar com minha ajuda em suas brincadeiras eletrônicas já que não entendo nada desses games. Por outro lado, ele não tem o mesmo privilégio que tive, ou seja, em meio a tanta correria não tem um avô que faça um concerto exclusivo de gaita ou qualquer outro instrumento.
Daqui há algum tempo, meu netinho será avô e as lembranças e histórias de seu neto serão muito diferentes das deles e das minhas..
Assim caminha a humanidade.