Fazenda Bela Esperança

Quando eu ainda trabalhava como maquinista da Fepasa, em determinado período, tive como ajudante um rapaz de Itapetininga que durante as viagens, sempre contava, e com muita saudade, do tempo de criança, da fazenda em que foi criado, da velha paineira que ficava toda florida na primavera, dos sabiás que ele ouvia todas as manhãs perto da sua janela.

Contava da robusta porteira, que nas noites de ventania assustava todo mundo com o seu rangido de abrir e fechar com o vento. Dizia da colônia, cheia de gente, falava da Folia de Reis que cantava por todo lado, lembrava do velho Jacinto, administrador muito distinto, que sempre muito sensato, aparava todas as dificuldades que surgiam.

Então ele, depois de formado, voltou à fazenda para matar a saudade. Mas levou um choque tremendo: ela estava praticamente abandonada. “..Até as casas da colônia estavam vazias, o velho arado, todo enferrujado, coberto de mato. Lá, só ficou o Sr. Jacinto, bem idoso, talvez enxergando pouco, mas era como uma marca representando tudo aquilo que eu vivi. Então eu fui andando pelos mesmos lugares da minha infância, e meu pensamento voltou ao passado e quando vi estava chorando, com saudade de você, minha Bela Esperança..”.

Enquanto ele contava, eu fui formando na minha mente uma poesia para ele, sobre os fatos e coisas da sua querida fazenda Bela Esperança. E assim fiz:

I

Fazenda Bela Esperança

Onde eu passei em criança

O melhor da minha vida.

Lembro da paineira florida

Como o amanhecer era belo

Pois nos saudava, ao levantar,

Com seu maravilhoso cantar,

Um bando de sabiás amarelos.

II

Mas um dia, por necessidade,

Fui embora para a cidade

Procurar novo caminho.

Mas quando estou sozinho,

Fico me lembrando de ti.

Já andei, rodei um bocado

Com algum progresso alcançado,

Mas esquecer, não esqueci.

III

Depois de muito tempo passado,

Hoje, já homem formado,

Quis voltar para te ver.

Levei um choque danado

Nada pude reconhecer.

Está tudo abandonado,

É mato prá todo lado.

Até o velho arado,

Enferrujou, vai morrer.

IV

Até a velha porteira,

Que era robusta e faceira,

Ao abrir ela gemia.

Dela, só um moirão restava.

Ela que tanto assustava

Nas noites de ventania.

E a colônia de outrora,

Todo o povo foi embora,

Está inteira vazia.

V

Lembrei-me do João Quirino,

Que nas festas do Divino

Era o bastião chamado

Apesar da brincadeira

Ele comandava a bandeira

Que cantava por todo lado

Tinha Florêncio, Pato Preto, Zé Pereira

Mais Vicente, Meia Lua e seo Nogueira

Caprichavam prá cantar

Carregando o estandarte, o mulato Baltazar

VI

Parece que ainda estou vendo,

Com seu cavalo correndo,

O Seo Antonio Jacinto,

Administrador tão distinto,

Hoje tá velho encurvado

Já quase não pode andá

Mas apesar daquela idade,

Ele representa a saudade

De tudo que eu vivi lá

VII

Então eu sentei, já cansado

De procurar o passado

Meus olhos foram anuviando

Quando vi tava chorando

Ai eu garrei a pensá

Que o tempo destrói, por maldade

E tudo o que eu tenho saudade

Acabou não vai voltá.

Quando terminei a poesia entreguei para ele ler. Vi que ficou muito emocionado, pois ele gostaria, segundo me disse, retratar como eu fiz esta bela página da sua vida. E me pediu autorização para que esta poesia fosse apresentada num programa sertanejo, em sua cidade. E ainda eu devia mandar uma cópia para o Rolando Boldrim, dada a riqueza de detalhes que a poesia continha, pois assim como ele, centenas de pessoas viveram em fazendas idênticas, e hoje só restava a saudade.

Laércio
Enviado por Laércio em 24/01/2008
Código do texto: T830675