O Prisioneiro da Luz

Ele não ouviu a voz mansa de Cristo ecoando pelos vales da Galileia. Não viu a água ruborizar-se em vinho nem sentiu o perfume da vida ressuscitada em Lázaro. Ele não esteve ali, entre os doze, nem sob a sombra da cruz. Mas o Altíssimo traça linhas com mãos invisíveis, e há destinos que nem a própria fé ousa questionar.

Ele, o algoz da nova crença, marchava sob o estandarte da retidão cega. Em nome de um Deus que não conhecia, impôs o peso da espada, construiu calvários com mãos humanas.

Catequizou pela dor. Esmagou o diferente. Desfigurou a beleza em nome da pureza. Matou o que era livre, mas acreditava carregar uma missão: “Vale tudo pela salvação!” — bradava sua consciência, entorpecida pelo delírio do absoluto.

E assim, entre ruínas, construiu um mundo onde tudo era igual,

onde o cinza substituiu as cores da graça. Destruiu, acreditando estar edificando. Mas Deus... Ah, Deus não grita. Sussurra. No caminho para Damasco, a luz não pediu licença — invadiu. A voz que veio de dentro (ou de cima?) perguntou: “Saulo, por que me persegues?” O homem caiu. As trevas cobriram seus olhos, mas enfim, enxergou.

Perdeu a visão do mundo, mas ganhou os olhos da alma.

O perseguidor virou peregrino.

O aço virou verbo. A fúria virou amor. E onde antes o ódio marchava implacável, agora caminhava o mais humano dos apóstolos. O que pregava o amor como mandamento e prática.

Não o amor decorado em púlpitos, mas o amor que sangra, que abriga, que se entrega.

Aquele que perdoa setenta vezes sete e mais, se for preciso.

No final, Paulo não era mais Paulo.

Era a própria Palavra em carne viva. Seu grito ecoou por desertos e oceanos. Chegou aos confins do mundo, como se cada passo seu tivesse sido semente. E quando partiu, levou consigo a certeza de que o amor venceu. A chama que acendeu em meio às ruínas ainda arde nos corações dispostos a amar — sem nome, sem rótulo, sem condição.

Obrigado, Paulo de Tarso, por ter se permitido cair… e levantar como luz.