A banalização da violência contra a mulher

Um estudo realizado pelo governo do estado do Rio Grande do Sul indica uma queda no número de feminicídios e violência contra a mulher no ano de 2024. Apesar dos dados serem positivos em relação à média do país, a quantidade alarmante de casos que vêm sendo divulgados diariamente me faz pensar que na prática a situação é bem diferente.

Isso deve-se claramente à quantidade absurda de casos, cujo registro de queda não é sentido na realidade.

Estamos vivenciando uma pandemia de violência contra a mulher no Brasil, segue pelo nosso estado e municípios.

Santa Cruz do Sul registrou nos três primeiros meses de 2025 mais de 650 casos de violência doméstica, incluindo cárcere privado onde o companheiro manteve a vítima presa, além de tentativas de assassinato e violência física extrema. São casos que nos deixam perplexos e causam muita revolta. No entanto, não são os únicos tipos de violência registrados aqui, bem como em outras cidades do país. Na maioria das vezes a violência começa com agressões verbais, atingindo o psicológico da vítima, insultos, ataques de ódio e raiva, em tom de intimidação, fazendo com que a mulher se sinta culpada e passe a evitar qualquer atitude que possa provocá-lo. Sem deixar que ninguém fora da relação saiba, as agressões evoluem para físicas, e até mesmo sexuais. A partir daí o ciclo segue com mudanças de comportamento fazendo parecer que não acontecerão mais, uma fase que pode durar por um certo tempo e quando acaba a violência retorna e o final não muito incomum é que acabe em feminicídio.

Na tentativa de encontrar respostas para a persistência deste crime na sociedade, logo a cultura patriarcal aparece no topo da lista. O que representa que ainda há uma estrutura de hierarquia enraizada que favorece o homem a fim de manter sua autoridade sobre as mulheres. Se esta premissa se mantém viva e ativa no consciente dos homens, logo supõe-se que de certa forma é transmitida dentro do ambiente familiar. Esta conduta infelizmente contribui para que a violência doméstica continue fazendo vítimas.

A mulher como propriedade, cerceamento de sua liberdade e até seu direito de ir e vir.

A possecividade está relacionada à ciúmes, negando à mulher o direito de se libertar de um relacionamento abusivo, por meio de ameaças que podem incluir familiares das vítimas e até os próprios filhos. Aliás, diga-se de passagem, a violência contra crianças já está se tornando tão banal quanto contra as mulheres. Assunto para uma próxima abordagem.

A violência doméstica também está relacionada a questões sociais, econômicas, abuso de álcool e drogas, e até mesmo a exposição a violência no próprio ambiente familiar.

Essa inclusive é uma questão que deve também ser abordada, relacionamento abusivo presenciado pelos filhos, pode gerar na criança comportamentos semelhantes aos dos pais. Os meninos por muitas gerações são educados para serem superiores, os machos da família, já as meninas podem se sentir amendrontadas ao verem suas mães sofrendo violência, mas ao mesmo tempo se sentirem inferiores, o que pode fazê-las crescer com a crença de que o homem tem poder dentro da família e que apenas eles merecem ser respeitados. Esses maus exemplos acabam por definir comportamentos futuros semelhantes aos dos pais. Um ciclo de violência que se inicia na infância e se estende a vida adulta, tornando cada dia mais difícil de combater.

Eis que a cada dia, a cada novo caso, a cada nova vítima mais importante se torna o apoio da sociedade como um todo no enfrentamento a essa pandemia.

A família tem papel importante para que seus filhos aprendam a respeitar as mulheres, a escola tem papel importante ao perceber o comportamento de seus alunos, inclusive, muitos casos de violência são descobertos no ambiente escolar, onde crianças se sentem seguras a pedir ajuda. O poder público tem papel crucial nesta luta. Políticas públicas e investimento no apoio às vítimas de violência precisa ser contínuo e concreto, pois, a falta de apoio dificulta não só o acesso aos serviços de proteção mas também a denunciar os agressores. Medidas protetivas já não são mais suficientes, uso de tornoseleiras pode inibir até certo ponto, penas endurecidas precisam ser ajuizadas e conclusivas, sem regresso e sem benefícios. As denúncias precisam ser feitas, não para tornarem os números um avanço positivo, mas para as vítimas deixarem de ser números.

Estamos vivendo uma era de ódio explícito em todos os sentidos, violência desmedida, uma gigantesca falta de amor ao próximo e uma decadência educativa imensurável.

Todas as tentativas parecem frustrantes quando vimos circular imagens de um grupo de estudantes de medicina que resolveu levantar uma bandeira com uma frase clara de apologia ao estrupo, quando um senador da república diz que poderia enforcar uma ministra, quando um aluno agrediu uma professora em sala de aula. E tantas outras atrocidades que estamos vivenciando dia após dia.

A violência contra a mulher está em todos os lugares, na família, na escola, na política, impregnada como se fossemos criminosas por existir.

Não há um único minuto, hora ou dia que um caso não aconteça, e sempre haverá enquanto a palavra cultura anteceder a misoginia, o patriarcado, o machismo. A herança do antepassado. De qual passado estamos falando?

Não há pena de morte, mas somos condenadas a ela sem sermos criminosas. Até quando?

Potiara Cremonese
Enviado por Potiara Cremonese em 31/03/2025
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