Papo molhado com Silviano Santiago

     Em 16 de fevereiro deste ano fiquei sem o meu companheiro de "papo molhado". Foi para outras dimensões o primo Silviano Santiago Lage. Em 2022, ainda na onda da Pandemia, combinamos conversar por vídeo chamada às sextas de noite, papo molhado por cerveja.

     Silviano era Sílvio para os irmãos, Silvianinho para os primos de Pitangui, obviamente por ter herdado o nome do pai, o inesquecível tio Silviano Lage, com quem se parecia mais do que só fisicamente.

     Nas conversas falávamos de tudo, a princípio coerentemente e depois, já de papo molhado, começávamos a fazer alguma brincadeira. Nisso, o Sílvio era campeão. Uma de suas preferidas era contar um acontecido com o seu irmão mais velho, o Dirceu. Morando em Anápolis, Dirceu vai conhecer Brasília. Visita o Itamaraty, Praça dos Trës Poderes e, em seguida, pega um ônibus para o Palácio da Alvorada. Ao subir nesse coletivo, entra pela porta errada e fica meio desorientado. O motorista, educadamente, ao perceber que ele não tinha pago a passagem, pergunta:

     - Já passou pela roleta?

     A resposta vem imediatamente:

     - Não, eu não conheço Brasília.

     Então, era assim o Silviano. Pobre Dirceu, sempre alvo de suas brincadeiras!

     Falando em Brasília, a mudança dessa família de origem pitanguiense tem a ver com a construção da Nova Capital. Já na década de 1950, a tia Lourdes mudou-se para Xixá, hoje Itapuranga. No começo da década de 1960, ajuntam os filhos e vão a Pitangui para os avós conhecerem os netos. Na Velha Serrana, moravam os avós maternos, Lurica e Zé Vovô, e paternos, Américo Lage e Dona Cota.

     Alguns eventos marcaram essa viagem: Vovó Lóia, com cerca de 60 anos, ansiosa por ver a filha, cai no bueiro em frente da rodoviária e fica com a perna presa; os primos goianos Maria Emília, Bete e o Silviano, que virou Silvianinho, se encantam com o enorme quintal de nosso avô, um córrego ao fundo, a poucos passos do centro da cidade. Se a viagem fosse alguns anos depois, os custos aumentariam muito: Silma, Silvana e Suzana completam o time Santiago Lage.

   Fora essa viagem, a comunicação era apenas por carta. Quando as cartas chegavam, mamãe ia ler para os  avós as notícias da distante Anápolis. Influenciados por esse contexto, nós, os sobrinhos, imaginávamos coisas. Todas as tardes, por exemplo, um avião sobrevoava Pitangui, provavelmente na rota Brasília/São Paulo. Nisso, a gente ia  pro quintal e pedia ao avião para trazer um neném pra nós. Acho que nossa reza era fraca ou muito desafinada, porque nenhum avião trouxe neném. Eles vinham era pelas mãos das parteiras pitanguienses, Corina e Bina.

     Quando me mudei pra Brasília em 1974, passei a visitá-los com mais frequência em Anápolis, na casa da rua Quintino Bocaiúva, lar mineiro com sotaque goiano. Foi entre 1980 e 1985 que mais aproveitei meus parentes. Nessa onda, o parceiro musical, Reinaldo "Rohr" Pereira, surfava comigo quando aparecia por Brasília. Ele também se encantava com essa musicalidade e então fizemos muita festa e cantoria. Tia Lourdes e tio Silviano, acompanhados dos filhos - todos afinadíssimos - interpretavam sucessos antigos, cujo ápice era "Tema de Bárbara". Essa composição, invariavelmente, arrancava lágrimas do casal Lourdes e Silviano.  Aproveitando o contexto favorável, compusemos algumas canções e aprendemos música regional goiana, como a lindíssima "Araguaia".

     Nesse período, Sílvio já não estava em Anápolis, tinha se mudado para o Tocantins. Morou primeiro em Gurupi e depois Porto Nacional. Nos últimos "papos molhados", ainda no final de 2024, planejava ir a Pedro Leopoldo, onde mora um de seus filhos. Incentivei-o a ir mesmo e esticar até Pitangui, para rever a família esparramada por Belo Horizonte e centro-oeste. 

     Não deu tempo, não mandamos no Amanhã. Vai com Deus, Silvianinho. Você já está fazendo falta.