Quatro madrinhas
Fábio era separado, vivia só. Namorava Lílian, uma coroa solteira que frequentava seu bangalô, um quarto e banheiro mal ajambrados em cima de uma farmácia, que pertencia ao tio. Lílian havia comentado com o namorado que não podia ser contrariada senão sua madrinha, que a criou, encarnava nela, e a transmutava, mudando sua voz e fazendo ela se entortar toda.
Uma noite Lílian foi visitar Fábio e este, por estar sem mulher há muito tempo, foi para cima de Lílian querendo fazer amor. Ela o rechaçou dizendo que não se sentia bem e aproveitou para lembrá-lo que não podia ser contrariada. Fábio insistiu e usou a força. Lílian começou a falar com uma voz que não era dela e revirou os olhos. Fábio, ao invés de ficar assustado, deu um soco no rosto dela, mas não mediu a força e o corpo da moça foi de encontro à parede. Ela tonteou, mas logo se recuperou. Fábio, cheio de si, provocou:
- Esse é o espírito de sua madrinha?
Lílian saiu chorando, com um olho inchado e roxo. Nunca mais viu Fábio.
Regina tinha quatro filhos que viviam em harmonia, a não ser quando algum deles fazia alguma arte. Eram dois rapazes e duas meninas que se amavam, mas também brigavam muito. Um deles certa vez quebrou a vidraça do vizinho e com medo de apanhar não contou para a mãe. Regina juntou os quatro filhos em volta de uma peneira, amarrou uma fita na borda e ameaçou:
- Meus filhos, vou fazer uma oração, implorar ao espírito da falecida madrinha que ela me indique quem quebrou a janela da casa do seu Guimarães. Vou girar a peneira, aquele que estiver na frente da fita quando ela parar é o culpado. Se o culpado falar antes de e eu girar a peneira, apanhará de chinelo, senão será de cinta.
Nem esse dia nem nunca Regina precisou rodar a peneira, pois sempre o culpado se entregava com medo da sova de cinta.
Eduardo era ainda criança quando morreu a madrinha. Ele sentiu demais a morte dela. Era o sobrinho predileto. Os dois se davam muito bem. Mais ou menos um mês depois da morte, Eduardo estava na cozinha e olhou para a ampla sala de visitas e, através do vidro da porta, viu a madrinha. Ela estava sentada numa cadeira olhando para o menino, que berrou.
Correram até ele que, em prantos, quase não conseguiu falar o que acabara de ver. Todos olharam na mesma direção, e viram a sala vazia.
Uma semana depois ele viu de novo. Dessa vez não berrou, levantou-se e a imagem se desfez. O que aconteceu? Ele sentava, via a tia; levantava, ela fugia. Apagou a luz da cozinha, sentou-se e lá não estava a estimada madrinha.
Ele, embora ainda menino, concluiu: o reflexo da lâmpada da cozinha na sala formava uma imagem, e, com a saudade, era desenhada em sua mente a figura dela.
Enquanto criança ele nunca desfez a dúvida dos parentes. Só depois de adulto contou o segredo que o acompanhou durante a infância.
Bicudo é um amigo meu, casado e, na época do episódio que vou narrar, ele tinha um filho. Bicudo estava viajando para o interior do Paraná. Lá conheceu Cláudia. Como ela já havia sido noiva, ficou mais fácil conseguir seu intento, levá-la para a cama. Com o tempo o namoro torno-se sério demais e um amigo de Bicudo o alertou:
- Tens que falar para a Cláudia que és casado.
Com a insistência do amigo, Bicudo resolveu abrir o jogo. Levou Cláudia a um motel e, antes de confessar, resolveu transar com ela.
Tudo resolvido, ela nua sobre a cama, ele de supetão:
- Cláudia, tenho algo importante para te falar, sou casado e tenho um filho.
Cláudia surpresa:
- O quê?
Ele repetiu a frase. Ela começou a falar palavras indecifráveis. Ele se apavorou. Ela se remexia toda e tinha os olhos fixos no teto. Ele tentou abrir as mãos dela que se fechavam com toda força. Deu um tapa nela, deu mais outro e por fim deu uma pancada com toda força no rosto dela. Ela voltou a si, perguntou o que acontecera e ele, sem explicar, a levou embora do motel.
No caminho ele relatou o que ocorrera e ela, muito tranqüila, explicou que era uma tia falecida que entrava em seu corpo, mas que não se preocupasse que nem ela nem a madrinha lhe fariam mal algum.
Bicudo deu um jeito de nunca mais ir trabalhar naquela cidade e jamais quis mais saber de Cláudia.
Aroldo Arão de Medeiros
08/04/2006