O ENGRAXATE
Em Porto Alegre, o engraxate ofereceu: "vai uma graxa aí, mano?". E eu, com tempo, aceitei:
- Então tá, "brother".
O guri tinha uns 19 anos, muito humilde e simpático, me contou que uma moça do prédio bonito tinha corrido com ele.
- Bah, tava trampando por ali, os caras gostaram do meu serviço e me ofereceram um rango. Aí, a guria disse para eu vazar, tá ligado?.
Fiquei indignado com o que ele me contou. A "guria" tinha ares de prepotência mesmo, no entanto, só manifestou esse seu lado para quem julgou "inferior". Para os de gravata, ela sorria.
- Qual teu nome?".
- Para quê? Tu não vai lembrar mais di "eu" mesmo..
- Faço uma aposta contigo: tu me diz o teu nome e eu te digo o meu. Amanhã, se eu não lembrar do teu, te pago R$ 10. Se tu lembrar do meu, tu me paga...
- Então tá...
Enquanto fazia o serviço, conversávamos mais e mais, o engraxate e eu, que me contou que morava longe, torcia para o Internacional, tinha seis irmãos e ganhava uns R$ 15 por dia. Fiquei admirado da sua eficiência e, principalmente, pelo gracejo que ele fazia enquanto engraxava o meu sapato. Fazendo uso de um pano, ele batucava um sambinha enquanto lustrava. Ao final, ele me olhou, apontou para os meus cabelos molhados e perguntou:
- Tu produziu esse esquema aí no cabelo?
- Que esquema?
- Esses fios aí, por cima da testa...
- Eheh. Não, é porque está molhado.
Pago o guri e agradeço. No outro dia, chovia muito. O Rodrigo Vontobel e eu levantamos cedo e fomos para o curso. Ao chegarmos no Centro Administrativo, cruzo com o engraxate no corredor. Enquanto estava engraxando para um senhor, ele olha para mim e aponta para o meu sapato:
- Vai graxa aí, parceiro...
- Tu engraxou para mim ontem, Cristiano...
Quando digo o seu nome, ele se dá conta.
- Bah, ainda não ganhei os R$ 10 pra ti pagar.
- Tudo bem, eu não ia mesmo te cobrar...
Cumprimento o rapaz, à moda da "malandragem".
- Tu anotou o meu nome, né? Para não esquecer...
- Não. É que você tem o mesmo nome de um dos meus melhores amigos...
- Tô ligado...