Um Tipo Inesquecível

Estou escrevendo esta crônica, parodiando um artigo que vinha nas Seleções Reader´s Digest, mas todos nós, se verificarmos bem no decorrer da nossa vida, tivemos alguém que marcou muito, e verificamos como foi benéfico e saudável esse período, que hoje lembramos com muita saudade.

Como num passe de mágica, ele apareceu no bar “Último Gole”, e no campo de bochas, conquistou dos mais velhos o respeito, e entre os da sua idade foi recebido como um irmão, e comigo e os da minha idade granjeou muita simpatia e admiração. Era um líder nato, apesar de não ter freqüentado, segundo suas palavras, mais de 2 anos da escola primária, na sua querida cidade de Gália.

No começo não sabíamos o seu nome, mas toda vez que ele se espantava com alguma coisa dizia “Maria Vergina” e assim nós o chamávamos de Maria Vergina, coisa que ele nunca achou ruim. As suas narrativas de casos e acontecimentos prendiam a atenção de todos, como nós depois ficamos sabendo, ele tinha morado na Rua Abolição e com sua orientação havia transformado o time de bochas Ponte Preta em imbatível, cujo campo ficava no bar e padaria Ponte Preta. Ele contava as proezas daquela turma com tanto carinho que Duílio, Moreto, Custódio, Galo, Cortesia, Eca, Joane, João Gracioli, Euclides, João da Bota, Hugo Barbeiro... nos eram familiares.

Como o Último Gole tinha dois campos de bochas e muitos jogadores, ele um dia disse: “nós vamos formar a melhor equipe de Campinas”. E as suas esperanças se realizaram. Começou a tratar jogos em casa e também fora, timidamente foi formando a equipe do Último Gole, porque muitos não gostavam de jogar longe de casa, digo longe como Sumaré, Jacuba, Nova Odessa e Americana, mas quis o destino que nessa época estivesse surgindo nos campos de bocha do Último Gole uma safra de muitos e bons jogadores, como os irmãos Antonio e Alcides, meu irmão Laerte e eu, os irmãos Giatti: Minguinho e Tibica, os irmãos Girelli: Nelson, Julião e Laurindo Giatti, que era chamado de Italiano, João Fascione ou simplesmente Fascioninho e muitos outros que estavam aderindo ao jogo de bochas como Nelson Esquerdinha, João Bainha, Nélo, Mendonça, Rubens Banha, Célio, Neguinho, Cabeça Preta, Vadinho, Arlei, uma safra de jovens promissores. Todos esses novos jogadores foram juntar-se a Meneguetti, Cirilo, Mingo Ciconi, Joanin Della Volpe, Lúte, Agenor, João Marques, Osvaldo Toniolo, José Fascioni, Edgar Cardinalli, Romeu Rossi. Depois se juntaram a nós Manoel Quintana, Manoel Munhós, Santo Teixeira, Guerino Carrara, Joaquim Henrique e também o nosso Maria Vergina que era um bom jogador.

Juntando todos, o nosso líder formou uma equipe imbatível. Como ele tratava os jogos de ida e volta, e quem vencesse mais partidas nos dois jogos ficaria com o troféu ou importância em dinheiro previamente combinada, foi um tal de ganhar que não acabava mais. Chegamos a jogar no mesmo dia com duas equipes diferentes, enquanto uma estava jogando em casa outra estava participando de jogo na casa do adversário. Era fácil juntar 20 jogadores de nível elevado e fazer essas disputas.

Mas, voltando ao nosso personagem, posso dizer que ele nos pegou a todos com o seu modo simples e cativante e nos transformou em uma grande família. Para os jovens como eu, era um irmão mais velho, sempre atento aos mínimos detalhes. Quando íamos jogar no domingo ele ficava aos sábados à noite no bar do Último Gole esperando a cada um que ele sabia estar pela cidade, namorando ou no cinema e como um pai que está à espera até do último filho chegar, e se estávamos em uns 4 ou 5 ele nos convidava para comer lingüiça de porco em lata com pão e cerveja. O que mais nos cativava era o cuidado com todos que ele tinha e dizia, depois de acabar de comer: “cada um para sua casa, pois amanhã temos que jogar com a equipe tal”.

Como me recordo com saudade desse tempo. Saudade daquela criatura com seu chapéu cinza, calça com um barbante feito cinta e alpargatas roda quase sempre novas nos pés. Certa vez lhe demos de presente uma cinta nova, mas para nossa surpresa dias depois lá estava ele outra vez com o barbante feito cinta. Ele dizia que a cinta e o sapato era para quando íamos jogar fora.

Saudades dos seus “causos” que incluíam os irmãos Farelo, do Rafael Sanches com seu metro e meio de altura e uma cartucheira 24 dois canos maior que ele, enfim saudade de tudo aquilo de bom que ele nos proporcionou naqueles anos dourados que nunca mais voltariam.

Depois de alguns anos os campos de bochas foram desativados, um pouco pela falta de interesse daquele que alugava o prédio e também pela má vontade do proprietário. Então, aquele pedaço da Carlos de Campos perdeu todo o seu encanto, mesmo o bar que agora se chamava Floresta já não era o ponto de encontro de todos nós. Ficou muito triste, principalmente para o personagem desta crônica, muitas vezes eu o encontrei ali nas imediações e conversava muito com ele sobre os bons tempos da bocha, e ele me dizia que sempre quis ser justo com todos, e lembrava que para movimentar a todos ele tratava jogos com equipes menos fortes para dar oportunidade aos jogadores que não eram utilizados nos jogos mais importantes, e assim seu Antonio Gordo, Romeu, Camargo, Zé Faquinha, Botinha, Trator, Sr. João Gardinali, Baixinho e outros que eram convidados e não aceitavam. Assim, ele com grande visão, conseguia agradar a quase todos.

Passados tantos anos eu me lembro de uma frase sua “ou era sopa ou pão molhado” quando ele queria dizer que era tudo a mesma coisa.

Em um dos últimos contatos que eu tive com ele , vi que a idade, que eu nunca soube, estava pesando. Já não tinha a mesma vivacidade de antes, talvez vivendo de recordações, o que o deixava mais triste; e já se tinha passado uns 30 anos desde a sua chegada.

Um dia, eu soube que tinha partido para sempre, então eu pedi a Deus que ajeitasse um cantinho no céu para esse que foi um amigo, um irmão, um pouco pai e acima de tudo um ser humano sempre empenhado em agradar a todos.

Descanse em Paz, Brasilino Botinholi.

Laércio
Enviado por Laércio em 23/01/2008
Código do texto: T829270