Saudade de Você
Quando o poeta Custódio Mesquita compôs a valsa Velho Realejo, certamente estava falando de mim e de você, minha querida rua. A valsa diz: “.. naquele bairro afastado onde em criança vivi...”, tudo se relaciona a nós. Você ficava num bairro afastado, onde eu nasci e começava a viver.
Você começava ali na viradinha dos calangas e descia suavemente colina abaixo, passando por marcos históricos da minha infância, como o 20 de Setembro; o palacete dos Andreotis, casa muito bonita que quase ia escapando para a Rua Antonio Bento; mais um pouco e chegava ao Bar do Arranca Calos, nome que era devido a uns portugueses que lá iam dançar e tocar músicas comemorativas de Portugal e ai daqueles que ficassem muito perto, pois poderia ficar sem os dedos dos pés, que dirá os calos; mais abaixo o casarão dos Cremoneses, onde tinha o único telefone da minha rua e deslizando mais um pouco, lá estava o “Último Gole”, que era a última parada para um trago, para aqueles que iam até o Parque Industrial; ao lado do bar sombreando a rua da boiada, as velhas figueiras, cheias de figos e lendas.
Mas voltando à valsa que diz: “... a remoer melodias passava todas as tardes um realejo a tocar...”. É a pura verdade: quando o sol já ia quase descendo na tarde fria, passava um espanhol ou cigano tocando um velho realejo, então tudo me faz lembrar de você, minha rua cheia de sonhos e de heróis anônimos.
Eu não poderia deixar de citar 3 que não foram tão anônimos assim: Sr. Angelim, que todas as manhãs antes de ir para o trabalho pegava sua sanfona e tocava belas músicas, como querendo saudar um novo dia, e assim enchia de otimismo a todos que o ouviam tocar.
Outro que não poderia ser esquecido, pelo menos por mim, foi o Sr. Maneco Duarte, que depois de alguns contatos muito bons com ele que mais parecia um gladiador da antiga Roma, perguntei-lhe se todas aquelas ferramentas de rachar lenha que ele sempre levava dentro de um saco não eram muito pesadas. Ele me disse com um tom muito paternal: “Filho, as coisas mais pesadas que um homem carrega são fatos que acontecem na sua vida e você não pode modificar o destino e te marcam a vida inteira, um peso invisível mas muito difícil de carregar”.
Outro que era parte importante da minha rua, o Sr. José Cicone. Todos os dias ele cortava varias vezes a nossa rua conduzindo uma pesada carroça, puxada por 4 animais: burros e mulas, e os gritos do Sr. José com eles já eram familiares a todos.
Quando a valsa fala: “... ficou a saudade comigo a morar...” também é a pura realidade. Saudade das manhãs cheias de música que era proporcionada pelo Sr. Angelim. Ele pode não ter nascido aquí, mas fez muito pela minha querida rua.
Saudade daquele gigante que, mesmo nos dias mais frios eu o via sempre descalço e sem agasalho. Podia não se dar bem com os adultos, mas com os garotos como eu era todo respeito e atenção, e falava a nossa mesma língua, por isso marcou muito.
Saudade do Sr. José Cicone, da sua voz gritando: crioulo, boneca, redondo, que eram partes importantes da minha rua, pois quando ele parou deixou um vazio que nunca foi preenchido.
Enfim, saudade de você rua dos meus sonhos, rua de tantos heróis, rua onde eu nasci ou simplesmente minha Rua Carlos de Campos.