Paraguai: passeio ou viagem?

A família Dimas resolveu fazer compras no Paraguai, ou teria resolvido fazer um passeio? Dessa vez, além da lista de compras, levaram a vontade de conhecer as famosas Cataratas do Iguaçu.

A lotação perfeita, previamente planejada, seria de oito adultos.

Ficou acertado a proibição de crianças e adolescentes.

Conseguiu-se facilmente montar a equipe, mas ficou faltando um, pois, preferencialmente, todos deveriam ser parentes.

Para convencer o último, o esperado, o alegre, o ídolo, não foi fácil. Por fim ele cedeu e ficou assim formada a patota: João, o patriarca; Aparecida e Cacá, filha e marido; Bráulio, filho; Antenor e Larissa, filho e esposa; e, finalmente, Sidarta e Ana Clara, neto e esposa.

João, apesar de ser o mais velho, é sempre um dos mais empolgados. Seus oitenta anos não o fazem reclamar de cansaço, de fome, de nada. Cacá, a nova sensação da viagem, como forma de protesto, já começou bronqueando:

- Se não formos já, vou começar a incomodar.

Bráulio é o palhaço da turma, diverte-se com tudo e cada vez mais capricha nas explanações, muitas vezes ilógicas. Ana Clara é a motorista concentrada e é quem prepara os sanduíches naturais para serem consumidos durante as doze horas do percurso.

Como a média de idade beira meio século, o mínimo necessário é que quatro motoristas se revezem para os dois veículos.

Foram escalados Bráulio, Antenor, Sidarta e Ana Clara. No caminho, porém, Larissa exigiu que Antenor desse o carro para ela dirigir. Como bom marido, obediente, ele passou-lhe as chaves, sem protestos. Foi um Deus-nos-acuda. Ela, acostumada com um carro popular e com pouco tempo de prática no volante, freava nas retas e acelerava nas curvas.

Dirigia o carro tão lentamente que uns dormiam com a lentidão, outros fechavam os olhos para não ver as barbeiragens. A Ana Clara, que estava na boléia do carro da frente, parou e esperou por mais de cinco minutos a motorista vagarosa. Bráulio, que conhece a ingenuidade do pai e sabe que ele acredita em tudo, de Papai Noel a duendes, saiu-se com essa:

- Pai, o carro de vocês demorou tanto que eu e a Ana Clara trocamos de posição no volante com o carro em movimento.

João, querendo e não querendo acreditar, respondeu:

- É mentira, não é filho?

Chegando a Foz do Iguaçu, foram procurar hotel para dormirem e reporem as energias. Com muito custo encontraram um que dispunha ainda de três quartos vagos. Dividiram-se: um quarto só para as mulheres, os outros dois para os homens. Estes distribuíram-se pela idade: João ficou com Cacá e os outros três no outro quarto, que era de uma simplicidade franciscana: no banheiro não havia box ou cortina e, tão logo o primeiro se lavou, deixou o recinto todo molhado.

Bráulio viajara sem a esposa e, fruto dessa temporária solteirice, viu passarem minhocas na cabeça. Mas o único ser do sexo oposto que notou sua presença foi uma vaca que pastava num terreno baldio, bem ao lado da janela do quarto. Antenor e Sidarta juram que quando Bráulio estava tomando banho a vaca mugia, alto e bom som:

- Bráááaulio.

No dia seguinte, logo pela manhã foram às compras. Sidarta, ao ser abordado por uma vendedora ambulante, fez uma troça na resposta, mas a mulher, muito esperta, deixou-o sem saída ao retrucar com outra pergunta.

- Quer comprar cueca?

- Não, eu não uso cueca.

- E calcinha, o senhor quer?

Bráulio, que pouco comprava, ficava prestando atenção em tudo que passava à sua frente. Resolveu dar uma de doido perante uma senhora que vendia bugigangas. Com a fisionomia carrancuda, respondia sem se virar para a pobre vendedora.

- Não quero.

Repetia sempre essa resposta, sem encará-la, mas cada vez mais carrancudo e num tom de voz mais alto. Aparecida, percebendo a brincadeira, chamou a mulher e cochichou:

- Minha senhora, esse homem é meu irmão, ele é louco e não pode ser contrariado.

Foi a deixa que Bráulio precisava. Na pergunta seguinte que fez aquela mulher, ele nem a deixou completar a frase:

- Quer comprar...

Virou-se num repente, agarrou o braço da mulher e gritou, com os olhos arregalados:

- Não quero!

A pobre mulher saiu em disparada, esbarrando em tudo que encontrava pela frente.

Depois de uma manhã estafante, foram colocar as compras nos carros. No estacionamento encontraram um menino de uns oito anos, paraguaio, todo serelepe. Corria na frente do carro para pedir passagem aos outros veículos. Cacá não cansava de elogiar a desenvoltura do piá e o apelidou, ironicamente, de Quintino. Esse homônimo pertencera a uma pessoa que, em sua cidade, nada queria com o trabalho. Quintino era daquele tipo que pedia esmola e, caso alguém solicitasse para ele capinar um pedaço do jardim em troca da comida, ele dava uma desculpa e não mais voltaria àquela residência.

O pequeno Quintino, ao contrário, virava-se como podia para arrumar uns trocados e fisgou dois de coração mole: João e Cacá, que já estava com vontade até de adotar a criança.

Durante as compras a diversão corria solta, umas planejadas e outras nem tanto. A que aconteceu numa loja de produtos eletrônicos não foi nem um pouco predeterminada. Após Bráulio fazer uma de suas pouquíssimas compras, a vendedora pediu seu nome para colocar na nota fiscal. Ao responder que era Bráulio, a moça, brasileira, começou a rir, provavelmente lembrando-se de uma propaganda que chamava o órgão sexual masculino por esse nome.

Quando chegou a vez do Sidarta, ele mais que depressa respondeu que seu nome era Luis. Como todos começaram a rir, a vendedora quis saber o motivo. Sidarta teve que se explicar:

- É que se Bráulio, um nome tão simples, já a fez rir desse jeito, imagino quando você escutar meu nome verdadeiro. Você vai se desmanchar de tanto rir.

A garota, com voz suplicante, implorou:

- Por favor, me diga seu nome verdadeiro.

- Tá bem. Lá vai. É Sidarta.

A moça:

- Como? Sem data?

Todos caíram na gargalhada. Bráulio ainda teve tempo, e fôlego, para completar a brincadeira:

- Se você quiser, não precisa colocar a data.

Depois de fazerem as compras, tiveram que atravessar a ponte que une (ou separa) os dois países. Para não complicar posteriormente, nos postos de polícia, resolveram registrar as aquisições na aduana. Antenor, Aparecida, Bráulio, Larissa e Sidarta passaram sem problemas tudo o que colocaram no romaneio. Quando chegou a vez de Cacá não deu outra, ao apertar a tecla indicada pelo fiscal da Fazenda, a luz vermelha acendeu. Lá foi o Cacá para uma sala com a sacola e a lista, rezando para ser liberado. No seu rol não constava uma ferramenta que ele comprara para usar na estofaria.

Os parentes, do lado de fora, exprimiam a preocupação de diversas maneiras: roendo as unhas, rindo e até socorrendo-o.

Cada um que ia dar-lhe apoio demorava a voltar. Primeiro foi o filho, depois a nora e, por último, a esposa. Depois de uma longa hora e meia, foi liberado, pois estava tudo dentro dos conformes. Então Cacá, num misto de nervosismo e alívio, repetia incessantemente:

- Podem me convidar para outras viagens, mas para o Paraguai nunca mais.

Quando descobriu que a luz vermelha acendia aleatoriamente, bradava:

- Por que aquele cara que estava atrás de mim não passou na minha frente?

Terminado o sofrimento, que foi o único e mesmo assim ínfimo, seguiram viagem com o propósito de visitar as Cataratas do Iguaçu.

Liberaram-se de todas as preocupações e só queriam apreciar o belíssimo panorama. Calor escaldante mesmo sob as sombras das árvores que acompanha todo o trajeto, feito a pé, próximo às cataratas. Fotos de todos os ângulos, pessoas diferentes e uma paisagem deslumbrante foram o que os Dimas tiveram como cenário.

Depois do passeio nada mais justo do que um descanso e um café para reforçar o estômago.

Com a barriga cheia, foram para o estacionamento para dar continuidade à viagem de retorno. Sidarta entrou rápido no carro, fechou a porta e ficou esperando o pessoal. Bráulio, que tinha comprado o carro há um mês, e que pela primeira vez tinha um veículo com condicionador de ar, entendeu a situação e mandou seus passageiros entrarem. Ligou o carro, o ar, e todos permanecem sentados para se refrescar. Lá fora estava uns quarenta graus. Dentro do carro todos suavam e, à medida que o tempo passava, ao invés de se refrescaram mais calor sentiam. Depois de uns três minutos naquela sauna, Bráulio percebeu que não havia ligado o ar condicionado e sim o ventilador, aquele que traz o ar externo para dentro do carro.

Depois de tomarem um banho de sauna sem gastarem um tostão, retornaram felizes. Bráulio, como sempre, era o bobo da corte, digo, da família Dimas. Dos causos que ele contou um se destacou, porque era bem a cara dele, parecendo mesmo que estava contando a suprema verdade.

- Certa vez eu vi um rapaz de uns quinze anos batendo num menino bem mais novo e menor. Não aguentei e disse: “tu não tens vergonha na cara, bater em alguém menor que tu?” O rapaz respondeu, com cara de mau: “O senhor fique na sua que isso é briga de família. Ele é meu irmão, apanhou e ainda não chorou”.

E o Bráulio completou a história:

- Eu já temeroso, falei: “Guri, chora logo, senão quem vai apanhar aqui sou eu também”.

Todos caíram na gargalhada.

Prometeram voltar novamente ao Paraguai. Dois deles para tentar trazer o que lá deixaram. Bráulio vai ver se encontra o boné que esqueceu no hotel e Larissa para tentar achar o anel que perdeu nas cataratas. Há quem diga que ela jogou no lago da sorte porque, na hora, não dispunha sequer de uma moedinha.

Talvez os Dimas ainda voltem ao Paraguai, com ou sem o Cacá.

Mas será difícil outra viagem tão boa quanto esta.

Aroldo Arão de Medeiros

17/02/2008

AROLDO A MEDEIROS
Enviado por AROLDO A MEDEIROS em 21/03/2025
Código do texto: T8290506
Classificação de conteúdo: seguro