Eu sou preto, mas minha cor é bem bonita

Esta frase é a resposta de um menino de quatro anos após ouvir palavras de cunho racista de uma colega branca da mesma idade.

O fato que aconteceu dentro de uma escola em Santa Cruz do Sul envolvendo duas crianças não é um fato isolado, mas com certeza chama atenção a idade da menina que proferiu as palavras. Nesta idade as crianças estão em uma fase de grande desenvolvimento de suas habilidades linguísticas e motoras. É uma fase de curiosidades, de muitas perguntas e de imitar muitas vezes atitudes dos adultos.

Além disso, a criança está em processo de interação com outras pessoas fora do ambiente familiar, o processo de socialização pelo qual ela já começa aprender sobre as diferenças e sobre a empatia em relação aos outros. E por mais que já tenha algumas atitudes mais independentes o seu comportamento é moldado pelo exemplo dos pais, nossos filhos são o reflexo do nosso comportamento enquanto pessoas.

Confesso que quando li a matéria a respeito do ocorrido, meus olhos se encheram de lágrimas e um sentimento de revolta e de vergonha cresceu dentro de mim.

Como mãe, penso que temos o dever de educar nossos filhos para que sejam adultos bons, humildes, sem preconceito algum em relação aos outros. A cor da pele jamais vai definir o caráter de uma pessoa, mas o seu comportamento em relação a isso sim.

A menina não decidiu sozinha dizer para o colega que não pode encostar nele ou na sua professora porque os mesmos são pretos, ela foi educada para isso. A reação do menino diante do ataque racista proferido pela colega deixa claro que ele já vem sendo preparado desde pequeno para enfrentar esse tipo de situação, pois infelizmente em algum momento de sua vida isso vai voltar a se repetir. “Eu sou preto, mas minha cor é bonita, e a sua também, né profe”. Sim, a preocupação dos pais reflete nesta frase, ainda assim é possível acreditar que essa criança vai esquecer o que aconteceu? O que sentiu a professora naquele momento?

E quanto a menina, ela vai compreender um dia que cor da pele não nos faz ser melhores que os outros, já que ao comparecer na escola sua mãe manteve a orientação de que a filha não deveria tocar no colega ou na professora.

A correta decisão da mãe do menino de registrar um boletim de ocorrência deveria fazer com que a família da menina se colocasse no lugar da filha. Infelizmente a maioria dos acusados nestes casos ficam impunes, mas se houvesse justiça e essa mãe fosse condenada como sua filha reagiria?

Atos como estes são um dos pilares para que o preconceito se mantenha vivo e permaneça fazendo mais e mais vítimas em nossa sociedade. Uma escola, uma professora, duas crianças em fase de desenvolvimento sendo vítimas do fracasso do ser humano. Sim, naquele momento as duas crianças estavam sendo vítimas da mesma pessoa. É revoltante e ao mesmo tempo preocupante saber que possivelmente uma vai crescer acreditando que ser branco é ser superior, vais espalhar isso entre as pessoas do seu convívio, fazendo com que o racismo persista. Já a outra vai crescer consciente de que vai ter que enfrentar sabe-se lá quantas vezes isso em sua vida, causando-lhe sofrimento e revolta.

Aí vem os julgamentos quando se fala em políticas de inclusão dentro das escolas, quando se condena as cotas raciais e a necessidade de educação antirracista dentro do ambiente escolar. Imagina o que pode ser crescer e se desenvolver dentro de uma escola e de uma sociedade capaz de fazer uma criança de quatro anos de idade ser vítima de racismo. A sua preocupação nunca será apenas se dedicar aos estudos, se concentrar nas tarefas e ter uma vida normal dentro deste e de tantos outros ambientes. A criança e o jovem negro ainda tem que se fortalecer dia após dia para enfrentar o racismo, o preconceito e essa falta de consciência estabelecida por pessoas como esta.

Por muitas e muitas vezes eu e minha irmã, que é casada com um Moçambicano, negro e tem uma filha negra, conversamos a respeito destas questões, sabemos o quanto isso causa revolta. Você tem que explicar para um filho como é o mundo para pessoas pretas fora de suas casas. Como você é e como os outros veem você.

É triste, é lamentável, é revoltante e infelizmente continua crescendo e fazendo mais e mais vítimas por todos os lugares.

Que as pessoas jamais se calem, que a justiça faça valer a lei e comece de uma vez por todas a punir os envolvidos ou não valerá de nada a inocência, a força e a resistência presentes na frase deste e de tantos outros meninos e meninas pretas por esse país.

Sua cor é preta e é bonita sim.

Minha cor é branca, e casos como este me fazem sentir vergonha dela.

Basta de tanto ódio, basta de tanta maldade, basta de impunidade.

Potiara Cremonese
Enviado por Potiara Cremonese em 15/03/2025
Código do texto: T8286275
Classificação de conteúdo: seguro