Gramática de padaria
O cliente: "Moça, quero duzentas grama de mortandela."
A atendente: "Duzentos gramas de mortadela?"
O cliente repete o pedido, acrescentando um detalhe: "Duzentas grama de mortandela e três pão francês!"
A atendente, mais uma vez, tenta corrigir a gramática do cliente: " Quanto? Duzentos gramas de mortadela e três pães...?"
A atendente não chega a concluir a pluralização por completo (ou seria por completa?), e o cliente reformula o pedido: "Três pão francês não. Bota dois pão doce."
Apesar de o cliente e a atendente estarem em Roma, não estão falando romano, ou seja, em português mais ou menos claro, comunicando-se na mesma sintonia. Observo a cena a alguns passos deles e tentando recordar algumas aulas de gramática...
Sou o próximo da fila. Logo chegará minha vez de formular meu pedido. Não me sinto confortável diante da situação. Minhas mãos parecem começar a suar, a respiração aumenta os passos, o coração... Por onde andará? O desconforto passa da teoria para a prática, ao ouvir da atende a palavra mais temida por mim naquele momento: "Próximo!".
Olhei para trás de mim, na torcida para que houvesse alguém; assim cederia a vez, e teria mais tempo para elaborar mentalmente um pedido que buscasse atender minimamente à gramática da atendente. Infelizmente eu era o próximo e último da fila. Lamentei a coincidência e temi, mais uma vez, passar vergonha em público por não saber usar a gramática dos livros na prática.
Não séria a primeira vez, porém. Questões de gramática sempre me deixaram muito confuso. Desde criança sou traído pela língua. Lembro-me, especificamente, da vez em que fui à antiga rodoviária Povina Cavalcante, aqui em União, comprar uma passagem e, mais tarde descobri, passei uma vergonha das grandes, graças ao meu à época total desconhecimento da gramática dos livros.
Cheguei todo animado no guichê, comprei o bilhete e, na hora do agradecimento final, caí na besteira de dizer à moça do guichê "Obrigada!". A moça me sorriu um sorriso gingante, que, na ocasião, nem supus soar irônico, mas que mais tarde, ao descobrir nos livros de gramática que "obrigada" deve ser usada apenas quando a pessoa que fala é do sexo feminino, fiquei por demais decepcionado com minha ignorância vernacular.
A àquela altura eu já estava no 6º ano do fundamental, mas não sabia que era errado (e parece que ainda é) homem dizer "Obrigada". Para sanar tamanho desconhecimento gramatical, fui consultar pessoalmente dicionários, onde encontrei outras palavras que nunca tinha ouvido pessoalmente, mas que existiam naquelas páginas amarelas e sábias.
Foi aí que minha vergonha aumentou, ao descobrir que eu vinha falando errado durante toda minha pequena existência, e não apenas eu: vó também falava "errado". Cresci ouvindo vó falar "imbigo", "veve", "talba" e outras palavras cuja escrita e pronuncia não encontrei nas páginas cheias de ácaros e sabedoria.
Fiquei bastante frustrado ao saber que a gramática reconhecia palavras como "umbigo", "vive", "tábua", e relegava completamente suas variantes sonoras e vívidas, como "imbigo", "veve", "talba".
Toda essa experiência passada me levou à cena presente a não querer ser o "próximo". Mas alguém tem de dar o exemplo primeiro. Então lá fui eu:
— Moça, por gentileza, não me corte as gramas.