A Morte do Joalheiro
Fazia cinco anos que estava derramado nesse mundo velho de meu Deus. A saudade represada e o desejo de abraçar os meus, me levavam a pensar no retorno ao torrão natal. Precisava vender o resto do estoque e voltar ao meu Piauí. A oportunidade surgiu com um convite a uma festa em Cristalândia.
Ora, onde há festa, há gente gastando dinheiro, comprando coisas. Fui. Parecia um bom momento para conciliar negócio e lazer. O caminhão fora fretado por uma turma de rapazes e moças, o motorista além de ser também o proprietário, levava sua namorada e isso dava certa confiança de que faríamos uma viagem segura, teríamos uma boa acomodação e uma festa tranqüila. Chegamos já no horário de almoço e logo em seguida sai vendendo minha mercadoria que já não era muita. Vendi quase tudo. À noitinha estava pronto para a festa dançante no clube da cidade.
Antes de adentrar o recinto, pus-me na calçada a observar as possibilidades de perigo. Olhando em volta, vi um cidadão correndo e gritando: “Ele vai aprender a respeitar homem”
O homem entrou no clube com o revólver na mão. Aproximei-me um pouco, ouvi o tiroteio e jamais imaginei que pudesse ser com alguém da caravana de Gurupi. Protegi-me detrás de uma caminhonete. O homem voltou ainda com o revólver empunhado. “Você é de Gurupi?” Respondi que não e ele seguiu cambaleando rumo à escuridão. Logo um táxi aéreo rasgou o céu e desapareceu no infinito. Entrei no clube e encontrei meu condutor desfalecido nos braços da amada, mortinho da silva. A turma de Gurupi estava em terra estranha, sem transporte, com um defunto na mão e sob suspeita de ser gente arruaceira. A liberação do corpo se deu no dia seguinte e só então pudemos retornar a Gurupi. Dois dias depois da tragédia, peguei um teco-teco de Gurupi a Porto Nacional. Ali deveria vender o restante do estoque e pegar o caminho de casa. Em Porto Nacional encontrei um velho conhecido, um joalheiro das bandas de Missão Velha, Ceará. Tratei do assunto. Estou voltando para o Piauí. Preciso acabar com um pequeno estoque de mercadorias... Ele respondeu: “Estou mesmo precisando. Se não for muita coisa, e a gente combinar no preço, eu fico com sua mercadoria, mas primeiro vamos visitar um amigo que está hospitalizado”. Enquanto andávamos em direção ao hospital ele me contou que seu amigo joalheiro tinha enfrentado uma briga em Cristalândia e chegara baleado há poucos dias. Comecei analisar os fatos. O valentão que vi passar correndo em Cristalândia era o joalheiro amigo de meu conterrâneo. Ouvi, silenciei e entramos no hospital para visitar o enfermo. O camarada estava deitado, como se estivesse dormindo... Ficamos ali por algum tempo. Em um dado momento o moribundo respirou fundo, deu um suspiro como se estivesse buscando fôlego para lutar contra a morte. Chamamos a enfermeira, mas antes que ela chegasse o homem esticou as canelas.
LIMA, Adalberto; SILVA, Francisco de Assis et al. O Brasil nosso de cada dia.