O aquecimento global e a nossa relação com a natureza
A mais de 50 anos atrás o termo aquecimento global começou a ser discutido pela comunidade científica mundial. Os debates começaram a surgir para discutir as consequências deste aquecimento.
Causado principalmente pela emissão desenfreada de gases de efeito estufa, o calor tem se intensificado ano após ano de uma forma pelo qual já é possível perceber as consequências das mudanças climáticas da forma mais rápida do que imaginávamos.
Dentre elas estão as grandes enchentes e inundações que se tornaram frequentes ao redor do mundo, bem como longos períodos de estiagem.
No ano de 2023 o Rio Grande do Sul teve seu inverno marcado por temperaturas altas, sendo considerado um dos anos mais quentes desde 1961. Além do calor registrado em pleno inverno, o estado sofreu com uma forte cheia no mês de setembro daquele mesmo ano. Os volumes acumulados chegaram a 400 mm, sendo considerando o mês mais chuvoso no estado em 107 anos. No entanto, grandes volumes de chuvas não foram registrados apenas no Brasil, no mesmo período países como China, Grécia, Espanha, entre outros sofreram com inundações e destruição causadas pelas fortes chuvas.
Apesar disso, os problemas causados naquele mês no sul do país não foram suficientes para que medidas fossem tomadas para evitar novas catástrofes naturais.
No final do mês de abril de 2024 fortes chuvas começaram a cair no estado e novamente trouxeram medo e destruição à população.
Com duração de aproximadamente um mês, 94% das 497 cidades gaúchas foram de alguma forma afetadas pela enchente histórica, cuja, não superou apenas a anterior em 2023, mas a maior já registrada em 1941.
Foi uma catástrofe que marcou não apenas o estado mas também o país, tamanha sua proporção destrutiva.
Cidades inteiras ficaram submersas, milhares de pessoas tiveram que deixar suas casas, muitas perderam tudo que tinham, e outras tantas não sobreviveram.
Apesar dos alertas emitidos prevendo uma grande quantidade de água, órgãos públicos ignoraram e não tomaram as medidas necessárias para que a situação não chegasse ao patamar em que chegou.
Nove dias após o início das chuvas o rio Guaíba ultrapassou a marca histórica alcançando 5,37 metros de altura, o centro da capital foi tomado pelas águas bem como o aeroporto Salgado Filho, que permaneceu inoperável voltando a funcionar com estrutura plena apenas sete meses depois da tragédia.
As imagens ficarão marcadas na nossa memória para sempre, mas mais que isso fica a dúvida de como reagiremos a estes episódios que se tornaram cada vez mais frequentes e intensos.
Quedas de pontes, rios que expandiram seu leito de forma assustadora levando tudo pela frente, árvores arrancadas ou encobertas pela lama, destruição de bairros inteiros aconteceram por todas as partes do estado. Cidades do interior foram devastadas e quem pode ver de perto a sensação era de estar em um cenário de guerra.
A tragédia climática que assolou o Rio Grande do Sul trouxe à tona mais uma vez o que vem sendo alertado a muitos tempo atrás e não podemos nos acostumar a conviver com estas tragédias dizendo que a natureza está em constante transformação, quando as maiores causas do aquecimento global são geradas pelas ações do homem.
Muitas das cidades afetadas ficam às margens de rios, inclusive, nestas margens elas foram construídas. Áreas que deveriam ser preservadas para minimizar danos de chuvas intensas foram ocupadas por pecuaristas, construção civil, desmatamento para plantio de pastagem e até moradias. Engolindo a vegetação que dariam proteção e promoveriam uma infiltração melhor das águas.
Com as margens concretadas a escoação da água das chuvas se torna muito mais difícil e demorada, fator que influenciou de forma significativa para que a água permanecesse acumulada por muito mais tempo. Quanto mais estreitas as margens dos rios e quanto menor a vegetação nessas áreas mais elas ficam desprotegidas.
Há muitos fatores a serem analisados diante de tragédias como esta e um dos mais importantes se não o mais importante é o fator humano.
Desmatamento em grandes proporções, desvio do leito dos rios, poluição causada por grandes empresas e claro pela própria população, acaba por entupir bueiros e causando ainda mais acúmulo de águas nas vias, além do mais não há sistema de impermeabilização do solo quando até os quintais das casas estão sendo concretados.
É difícil compreender que dirá admitir o quanto estamos pecando em relação aos desastres naturais causados pelo aquecimento global.
O calor extremo, o aquecimento do oceano, o derretimento de geleiras de forma cada vez mais acelerada, desmatamento e grandes queimadas, guerras intermináveis. Sim, as guerras são fontes geradoras de dióxido de carbono e causam grandes impactos ambientais. Os combustíveis fósseis usados em aviões de combate e veículos militares, comércio de armas, derramamento de petróleo e incêndios, afetam o meio ambiente, atingem a biodiversidade, contaminam o solo e a água. Contribuindo de forma exacerbada com as mudanças climáticas.
Uma infinidade de elementos geram impacto direto na natureza e nos tornam cada vez mais sucessíveis a tragédias como a de maio de 2024 no Rio Grande do Sul, ainda assim não reagimos da forma como deveríamos. Mesmo após a tragédia que causou mortes, destruição, alagamentos e a queda de mais de 2 mil árvores na capital, a prefeitura de Porto Alegre autorizou a derrubada de mais de 300 árvores para dar lugar a um condomínio de luxo. Mesmo com a mobilização dos moradores, árvores centenárias foram supridas, algumas com mais de 30 metros de altura, a revolta e indignação dos mesmos não foram suficientes para impedir esse descaso com o meio ambiente.
E isso vem acontecendo em vários lugares, não apenas por órgãos públicos, que por sinal deveriam ser os primeiros a proteger essas áreas, mas também por artistas e milionários. Grandes mansões de mais de mil metros quadrados em área verde. Área verde ou o que restou dela? Para se construir uma mansão em uma área verde, uma imensa outra área verde precisa ser destruída, mas a ostentação segue de mãos dadas com a destruição.
Grandes mansões, consciências pequenas.
São tantas questões a serem discutidas, tantas medidas a serem tomadas, e nenhuma delas está distante da relação que temos com a natureza que nos cerca.
As vidas futuras dependem da nossa responsabilidade com o meio ambiente hoje.
De que servirá grandes parques de concreto, grandes mansões, arranha céus à beira mar quando o calor se tornar insuportável e água escassa?
Haverá energia suficiente para manter ar condicionados para todos, ou continuaremos a ver que os mais prejudicados seja com enchente ou calor excessivo são as pessoas de baixa renda, a grande maioria inclusive mão de obra destas grandes construções.
A tragédia que ocorreu no Rio Grande do Sul, não foi a primeira e certamente não será a última, muitos estados brasileiros vem sofrendo com os temporais e alagamentos e posteriormente fortes estiagens.
Em 2025 já foram registradas fortes ondas de calor inclusive no sul do país, alguns municípios chegaram a decretar estado de calamidade por conta da estiagem, e isso tem ocorrido ano após ano, são os extremos nos atingindo e não estamos nos dando conta da nossa responsabilidade sobre isso.
Nas enchentes sejam elas onde ocorram observamos montanhas de lixos sobre as águas, lixos que a própria população descarta de forma errada, nas ruas, nas calçadas, nas margens dos rios, nos oceanos, a natureza está sendo descartada como sacolas plásticas jogadas das janelas dos carros em rodovias.
As árvores estão sendo cortadas para dar lugar a prédios e asfalto, e a cada dia que passa nos tornamos os maiores vilões e contribuintes para eventos climáticos extremos.
Olhando por este ponto de vista chego a conclusão que não existe sociedade, existe o eu.
Mas se tivermos que pensar e agir sosinhos não teremos tempo o suficiente para desacelerar a destruição da natureza e o aquecimento global. As ações precisam ser conjuntas, com o envolvimento do poder público e da população como um todo.
Há os que continuam negando a mudança climática, há os que continuam investindo em um próximo planeta, há os que são dominados pelo capitalismo e o lucro sem pensar nas consequências, e o pior disso tudo, estes são os que mais condições financeiras possuem, mas os zeros intermináveis nas suas contas bancárias nunca são o suficiente, eles precisam de mais, para deixar para seus filhos as irresponsabilidades como herança dos pais.
Existem tantas formas simples de cuidar da natureza, preservando as árvores, os rios, não desperdiçando água, não jogando lixo nas ruas, nas praias, nas margens. Sabemos aproveitar mas não sabemos cuidar.
Se o calor que fez em pleno inverno no Rio Grande do Sul em 2023, as chuvas intensas no mesmo ano, as inundações históricas de maio de 2024, a forte onda de calor nos primeiros meses de 2025 ainda não forem motivo suficiente para repensarmos sobre o aquecimento global e a preservação da natureza, não estamos preocupados e quiçá preparados para o que ainda está por vir.
A economia sempre muito citada como prejudicada nestes eventos climáticos será muito mais afetada se não preservarmos o meio ambiente que nos cerca e a vida de quem a mantém de pé.
Antes de pensarmos em habitar e destruir outro planeta, seria de grande valia lutarmos para salvar o nosso.
É urgente que resgatemos nossa conexão com a natureza, sua importância e o devido respeito que merece. Ou continuaremos a dar mais valor para coisas do que para vidas.