VIAJANTE NO TEMPO (Crônica)

“Se existe viagem no tempo?... Ora, experimente perguntar

isso para a saudade!” – P. Cesar Paschoalini

A vida para nós garotos no início dos anos da década de 70, não foram fáceis de viver. Os nossos horizontes não iam além do bairro onde morávamos. Nossos pais raramente, ou quase nunca, viajavam nas férias. As nossas idas e vindas se resumiam às nossas casas, escola, encontro com os amigos para uma pelada de futebol, para ouvir músicas e dançar em bailinhos na garagem. Embora alguns como eu já trabalhassem, dificilmente tínhamos possibilidades ou recursos para viajar, pois era necessário conciliar o trabalho durante o dia com os estudos à noite.

As poucas pessoas que conseguiam sair em viagens se restringiam àquelas que organizavam excursões, como por exemplo, para o Santuário de Nossa Senhora Aparecida em datas religiosas, que na verdade não despertava o interesse da meninada. Uma vez ou outra surgia a oportunidade de excursões para o litoral, assim, bem ao estilo dos farofeiros, sujeitas às criticas odiosas e preconceituosas dos mais abastados.

Numa ocasião, soubera que o pai dos amigos Luizinho e Edinho Cardoso costumava promover excursões e estava organizando uma para a praia, o destino Cidade Ocean. A procura foi tanta que alugaram dois ônibus. Eu me lembro bem que a maioria levava lanches, pão de forma com patê, batidas de diversas frutas e cantoria geral. Na praia era comum alugarem cabines para trocar as roupas. Mas, para decepção de todos o tempo não cooperou, não deu sequer para entrar na água. Depois dessa eu e o Roberto com a ajuda dos amigos, nos propomos também a organizar uma viagem, ousamos e definimos logo, São Sebastião seria o destino. A mecânica era assim, escolhíamos uma data com prazo razoável, contratávamos uma empresa de ônibus e era feita a reserva. Dávamos como sinal 50% do valor contratado, um rateio dos 44 acentos era efetuado entre o pessoal mais próximo, fazíamos o pagamento da outra metade à empresa na véspera do passeio, assim todos tinham condições de viajar com entusiasmo e felicidade. Os pais de algum d33os meninos eram presença obrigatória para acompanhar a excursão.

Assim, por um longo período, nos tornamos os reis das excursões, sempre unidos passeávamos da maneira que os nossos bolsos permitiam. Consigo listar algumas localidades, Praia Grande, Ubatuba, Peruíbe, Serra Negra, Poços de Caldas. Levávamos lanche de pão de forma com patê, batidas, mas o Wagner (Gordo) levava mesmo frango com farofa. Quanto às batidas de coco é bom nem lembrar a que eu e o saudoso Odair fazíamos, recebera o apelido de cigarro sem filtro, de tanto coco ralado contido nelas.

Antes de cada excursão improvisávamos um bailinho na casa de algum dos amigos. De madrugada saímos todos entusiasmados, cada um com sua garota no fundão do ônibus e os idosos iam à frente. Por vezes carregávamos caixas de isopor com gelo e latinhas de cervejas — novidade à época — para tomarmos quando chegasse ao destino, mas que eu me lembre, elas não chegavam lá, eram consumidas durante o trajeto. Mas ninguém ficava alterado, não ocorria animosidade. Até musiquinhas fazíamos para cantar nessas excursões. As viagens eram sempre muito animadas, músicas, brincadeiras e muita felicidade.

Não sou saudosista, mas posso afirmar com orgulho que vivemos anos dourados, o pouco para nós era muito, e o muito era o simples, bastava a presença de todos juntos na escola, na casa de algum amigo curtindo o novo disco de vinil, — o LP — que poucos conseguiam adquirir, nas idas e vindas dos bailinhos na garagem, nas quadras batendo uma bolinha, nos passeios aos domingos à tarde e nas excursões que organizávamos. A verdade é que éramos todos simplesmente muito felizes.

Hoje sou um privilegiado, posso ir para onde quiser, sem ao menos sair do lugar, me deliciar com as boas lembranças que

minha memória é capaz de buscar. Livre e solto num instante posso visitar um daqueles lugares e com os amigos cada momento desfrutar, pois a bagagem que por ora carrego está abarrotada de histórias felizes das quais eu vivi, que permite que eu seja um viajante do tempo, com asas para voar, sem nenhum compromisso, sem o bilhete de embarque, sem pressa de chegar, sem pressa de voltar.

Samuel De Leonardo (Tute)
Enviado por Samuel De Leonardo (Tute) em 24/02/2025
Reeditado em 16/03/2025
Código do texto: T8271757
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