O trem e Nivaldo Dino
O trem, que há tempos não corta mais os trilhos do Vale do Paraíba, ainda ressoa em minhas lembranças como um murmúrio distante. Naqueles tempos de minha infância, o trem chegava bufando da capital do Estado, rasgando a quietude da Estação Ferroviária do Pilar com seu apito estridente. Era um evento que trazia vida ao vilarejo, um fio condutor que ligava o ermo à civilização.
Na calçada do galpão da estação, vivia Chibata Preta, pobre e desgarrada, uma alma solitária que encontrava abrigo naquela margem de mundo. Ela era como um enigma na paisagem, uma figura envolta em mistérios que poucos ousavam desvendar. O trem passava por ela, carregando histórias e esperanças, movendo-se como uma serpente metálica por entre os trilhos.
De vez em quando, em minhas doces recordações, o trem ainda parte e chega. O apito longínquo traz de volta o sabor das tardes quentes, os encontros e despedidas que se entrelaçavam com a vida na estação. O trem, agora apenas uma sombra etérea, continua a trilhar os caminhos da minha memória, mantendo vivo o enredo de um tempo que se foi, mas que permanece gravado no meu ser.
O trem, admirado e temido por todos, era uma máquina colossal que destruía tudo que se atrevesse a cruzar seu caminho. Recordo-me de Nivaldo Dino, valente e obstinado, descendo a ladeira da Estrada Nova, do Pilar, com seu caminhão de carregar cana-de-açúcar para a usina. Naquele dia, ele proclamou com bravura: “Hoje eu não abro nem para o trem!”. Chegando ao centro da cidade, estacionou o caminhão e, após tomar umas doses de cachaça na barraca do Morais, seguiu em direção ao Bairro da Estação.
Ao se aproximar da passagem da linha férrea, ouviu o apito da locomotiva que se aproximava. Nivaldo, num ato de imprudência e insensatez, pressionou ainda mais o acelerador do caminhão, determinado a cruzar a linha antes do trem. E foi então que se ouviu o estrondo do impacto, que ecoou por toda a cidade.
O trem arrastou o caminhão por cerca de dez metros, deixando-o de pneus para cima, à margem da linha. Minutos depois, Nivaldo apareceu, todo ensanguentado, saindo da boleia do caminhão, trazendo uma espingarda calibre 12 nas mãos. Os moradores, que vinham para socorrê-lo, recuaram de medo diante de sua presença armada. Nem mesmo a polícia se atreveu a se aproximar daquele homem embriagado e disposto, Deus sabe o que.
Esta história real, marcada não só pela presença do trem e a imprudência humana, mas também pela misericórdia de Deus, foi mais uma que se eternizou na memória da cidade, enriquecendo cada vez mais as crônicas e o imaginário folclórico da terra de José Lins do Rego.
- Antonio Costta