"O CARNAVAL QUE SE ESQUECEU DE SER CARNAVAL" Crônica de: Flávio Cavalcante

O CARNAVAL QUE SE ESQUECEU DE SER CARNAVAL

Crônica de:

Flávio Cavalcante

A festa continua grandiosa. O som estrondoso das caixas de som reverbera pelas ruas, os trios elétricos arrastam multidões, e as redes sociais se enchem de registros de foliões empolgados. Mas algo se perdeu pelo caminho. O confete já não colore mais os becos, a serpentina não se enrosca nos cabelos, os mascarados foram esquecidos, e os estandartes dos antigos blocos apodrecem em algum depósito empoeirado.

O Carnaval, outrora uma manifestação espontânea de alegria e cultura popular, cedeu espaço a um espetáculo formatado para agradar a todos, menos a sua própria essência. Os ritmos que outrora ditavam o compasso da festa foram relegados ao passado, trocados por sons que poderiam estar em qualquer outra época do ano. Os concursos de fantasias, os blocos irreverentes, as marchinhas que faziam os avós cantar e dançar já não têm vez.

O argumento dos mais jovens é sempre o mesmo: “Isso é coisa de velho.” Como se a história fosse um fardo, como se a tradição fosse um peso incômodo a ser descartado. Mas o que é o presente senão a continuidade do passado? E o que será do futuro se não houver memória?

A cultura não precisa ser engessada, não precisa permanecer imutável. Mas há uma diferença entre evolução e esquecimento. O Carnaval pode, sim, abrir espaço para novos estilos, novas formas de se expressar. Mas precisa lembrar-se de onde veio. Precisa reconhecer que a sua alma não está apenas na multidão pulando ao som do que está em alta, mas também nos símbolos que o construíram: no frevo que desafia a gravidade, no maracatu que ecoa as raízes africanas, nos blocos que, antes de serem um uniforme de abadá, eram um desfile de criatividade e identidade popular.

Cada festa tem seu espírito, seu tempo, sua essência. Festa junina sem forró não é festa junina, assim como Carnaval sem seus ritmos e personagens originais não é Carnaval. O novo e o antigo podem coexistir, mas não à custa da memória. Afinal, o que é um povo sem cultura? Apenas um bando de gente dançando sem saber por quê.

Flávio Cavalcante

Flavio Cavalcante
Enviado por Flavio Cavalcante em 13/02/2025
Reeditado em 14/02/2025
Código do texto: T8264019
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