O Velho Guaraná
Como já citei em crônicas anteriores, dinheiro era muito difícil no meu tempo de garoto. Tínhamos de ter imaginação e iniciativa para ganhar algumas moedas.
Catar ferro-velho, vidros e ossos era um meio, mas havia muita concorrência. Mesmo assim, era mais fácil de ter algum dinheiro no bolso.
Eu fiz várias coisas: empurrei cavalinhos em quermesse; virei moenda de cana em carrinho de garapa, naquele tempo era acionado manualmente, e levei caldeirão de comida ao Sr. Francelino Bueno, para o seu almoço. Era na rua Barão de Parnaíba, com Barão de Itapura.
Um dia eu voltava dessa entrega e, passando pelo Jockey Club tive uma idéia. Entrei no hipódromo e fui falar com o tratador de cavalos. Ele se chamava Guaraná, claro que era um apelido, e ofereci a ele grama bem verdinha, que era muito boa para tratar dos cavalos de corrida. Ele, vendo o meu arrojo, com 10 anos, indo até lá para oferecer os meus préstimos, simpatizou-se com a minha causa e disse: “....Você me faz lembrar da minha infância. Nasci no Rio de Janeiro perto do hipódromo da Gávea, e aos 10 anos eu estava limpando as cocheiras, para ajudar minha mãe, viúva, na manutenção da casa. Meu nome é Álvaro Penha, o meu apelido você já sabe...” E apanhando um saco, em que devia vir alfafa, disse: “....Toda vez que você trouxer este saco cheio de grama fresquinha, eu lhe pagarei 500 réis..”. E assim, por vários dias eu fiz aquela entrega. Mas a grama não ia sempre ser encontrada com facilidade. Um belo dia ele me disse ao entregar-lhe a grama: “...hoje vou te dar 1000 réis porque o nosso cavalo, Rompedor, ganhou o principal páreo..”.
Aproveitando a oportunidade eu lhe disse: “...Sr. Álvaro, eu vou poder trazer mais uns 4 ou 5 sacos de grama, pois não está mais fácil de encontrá-la”. Então ele, que era um homem muito bom, me disse: “...Mesmo que você não traga mais grama, não se esqueça do Velho Guaraná, venha quando puder fazer uma visita, que eu ficarei muito feliz.”
É sempre com saudade que eu me lembro daquele carioca espigado, rosto queimado do sol, sempre usando botas de montaria, que era querido de todos e que se chamava Guaraná.