Eles não são loucos

Assistia a uma aula de criminologia, proferida pelo competente professor Virgílio de Mattos, após seu retorno de mestrado pela Itália. Em dado momento, depois comentar as inúmeras rebeliões em presídios, observou que nenhuma notícia saía pela imprensa de rebeliões em manicômios, ainda que mantendo criminosos tidos como inteiramente fora do juízo.

Fim de ano, ano novo, apesar de todos imbuídos do espírito de Natal, adocicados pela sempre esperança de lembranças, reverências, gestos de ternura, sejam cartões, singelos presentes, se repetem os desastres, as perdas de parentes, uns doentes, outros por acidente. Saem alguns em rápidas viagens de férias, pelos buracos nas estradas e buracos na alma. Aquela dor, ressentimento da rebeldia de algum filho ou filha, do silêncio da mulher, da ausência do marido se dizendo no boteco com os amigos, nas intermináveis filas dos Sus, dos bancos. O olhar paciente do brasileiro aos aumentos, às injustiças, a taxa de esgoto, de iluminação pública, os mirabolantes condimentos num caldeirão infernal para se transformar numa interminável coleta de impostos, assim como no Brasil Colônia, no Império, na República e para todo o sempre, amém. Assim como um seguro apagão que fora cobrado nas contas de luz e, se ocorresse, qual seria o resultado – colocariam alternativas tais como baterias para substituir os geradores das barragens ou, em ultima hipótese, nos indenizariam? Ninguém indagou, mas foi cobrado por algum tempo. Tal qual o CPMF, com o “p” de provisório.

Aqueles assaltos, seqüestros, mudanças de partidos, mensalões, aumentos inusitados de vencimentos, de subsídios, a demora dos aviões nos aeroportos. Aquele lenço no pescoço do Sadan para que ele não sofresse na hora do enforcamento. Enquanto isso, os loucos estão lá, no seu canto, de dentro da janela sem perceber muito os fenômenos da poluição, da camada de ozônio provocada pelo ser que ainda se diz humano, no interior de seus hospícios sem choques econômicos, choques términos, furacões, senão alguns comprimidos para esquecer, alguns sorrisos próximos para lembrar de que já lhes existiram uma família, um pai, uma mãe, uma mulher, um filho, um padre, um pastor evangélico, uma empregada doméstica.

De lá de dentro, ninguém quer fugir, mesmo com a indiferença dos sistemas de atendimento, das poucas verbas destinadas ao meio, comparados aos mais de cinco milhões que custam aos cofres públicos para edificar um presídio de segurança máxima, ainda em eterno risco de rebeliões.

Em um manicômio, ainda que esquecido e em desleixo natural pela poeira do tempo, basta um singelo cadeado pelo lado de fora, quando pela inexistência de motins, nem isso. É ruim, é triste, até desumano, mas, de lá podem ter certeza ninguém pensou em mudar para o mundo cá fora. A resposta a esta indagação poderia resultar numa lógica conclusão, pelo que vemos pelo mundo afora, eles não são loucos. Talvez, fossemos nós.