O dia em que...

O que houve? Qual trator passou? E depois do sentimento de ressaca, o que vem?

Há o domingo, há o ovo frito, o café amargo... E a conta? Será que foi paga?

Dúvida cruel: afinal, do que você se lembra do dia em que exagerou?

A amiga distante que lhe estende a mão, e você aproveita a cena para fazer uma carícia obscena, e torce para que o namorado (dela, claro) não tenha notado a indiscrição; aquele amigo que você não vê há séculos, de supetão, aparece, e você nota que a calvície lhe visitou bastante, o cara legal, que não deixa de ser legal porque tem menos cabelo que você e é médico; há também o momento em que você já não nota as horas, o gosto olfativo das coisas e dos momentos; em que esquece o próprio nome; em que alguém pergunta se tem alguém sentado na cadeira vazia ao seu lado, e você responde que sim, embora não; o dia em que, ou melhor, a noite em que o nome das coisas e dos momentos é preciso lembrar, mas que você não se lembra.

É um dia para ser esquecido, o dia em que que você exagerou; em que houve o discurso inflado sobre política para um grupo de estranhos que não pediram sua opinião; o abraço demorado demais no segurança do bar, jurando amizade eterna; a mensagem enviada para um número exato de pessoas que você jurou nunca mais mandar mensagem; a tentativa fracassada de pedir um carro por aplicativo em União dos Palmares, sendo que você esta em Detroit Street.

E então, no meio da madrugada evanescente, sem que você saiba que é madrugada, enquanto você tenta argumentar com um poste sobre a inutilidade das coisas, lhe reaparece a figura amigável do amigo, agora imaginável: “Você sumiu, cara!”. E então você chega em casa, sem saber como nem por quê.

Chega, depois das 11h, o que não é de costume. Eis o dia em que você torce, mesmo sem perceber e descrente, que Deus tenha piedade de sua alma. A boca está seca como se tivesse passado a noite mascando algodão. O cheiro? Uma mistura intrigante de suor, desespero e algo que talvez seja molho barbecue. O que é "barbecue"? Você não sabe nem imagina, no dia em que...

Damião Caetano da Silva
Enviado por Damião Caetano da Silva em 08/02/2025
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