A Reforma 2: Lar, úmido lar

Aproveitando a reforma da casa de minha cliente, sua vizinha do sobrado geminado (e não “germinado”, como já ouvi muita gente dizer) resolveu que precisava também reformar seu telhado, cujas telhas antigas e de má qualidade haviam lhe pregado algumas surpresas em dias de chuva; e assim me pediu que estendesse a reforma para a casa dela também. Porém, para azar de todos os envolvidos, os trabalhos só puderam se iniciar no verão, época de chuvas fortes e sol escaldante...

Estávamos passando por um período de estio incomum; olhei na internet a previsão do tempo e, para meu desespero, haveria a possibilidade de chuvas justamente no dia estipulado para o início das obras. Liguei imediatamente para seu Antonio, o empreiteiro, que com seu habitual otimismo e sua simpatia contagiante me tranqüilizou: “Deus vai ajudar”. E, na fé, começou a desmontar o telhado da moça.

Quatro horas da tarde daquele mesmo dia, o céu ficou cor de chumbo. Não só choveu, como caiu uma tempestade como há muito eu não via. Só faltou o granizo, pois o vento assobiava forte e eu, escondida em meu escritório, fazia de conta que estava a alguns milhares de quilômetros da obra.

Mas a técnica da avestruz não funcionou. Por melhor que os pedreiros tivessem coberto o telhado - agora sem telhas - com um plástico preto, as águas encheram a laje de cobertura do quarto da vizinha de minha cliente e causaram um espetáculo digno das Cataratas do Iguaçu. A água vertia por todas as frestas e vãos da laje, inclusive (e principalmente) pela luminária, caindo em enxurrada sobre a cama da moça. Nada escapou do dilúvio, para o qual nenhuma Arca foi construída como forma de abrigar os inúmeros casais de livros que a estante daquele quarto guardava... tantos livros que, segundo ela, certa vez não percebeu que os cupins haviam lhe devorado um exemplar inteiro. "Comeram meu Érico Veríssimo", ela disse - ao que eu respondi: "Bem, ao menos eram cupins de bom gosto."

À noite, assim que chegou do trabalho, ela me ligou. E destilou seu horror sobre mim, provavelmente por não ter mais a quem recorrer... e eu, impotente, nada podia fazer, além de ouvi-la com paciência e prometer-lhe que iria logo cedo ver o estrago e cuidar para que as telhas novas fossem repostas o mais breve possível.

No dia seguinte, bem cedo, lá estava a presenciar a cena. Lastimei o ocorrido, venci meu medo de altura, subi no andaime (alto mesmo, acreditem) e fui ver o estrago de cima: era uma piscina a laje do quarto. Os pedreiros tiravam a água com esponjas e enchiam baldes e mais baldes. Por sorte o sol estava muito quente e auxiliava na secagem. Queria fotografar para mostrar à dona da casa o estado daquela laje, apenas para justificar o incidente, mas... esqueci o celular lá embaixo! Seu Antonio, muito gentil e habilmente, desceu e pegou-o para mim.

E ele pessoalmente, o telhadista e mais um séquito de pedreiros e auxiliares começaram desde cedo, no outro dia, a montar o novo telhado. Subi no andaime outra vez (o medo deu lugar à curiosidade) e sugeri instalar uma manta sob as telhas como proteção extra. Assim, na metade do dia, o madeiramento já estava bem adiantado e a manta seria em breve estendida sobre toda a superfície. Mais uma vez subi no andaime, agora já bem mais lépida: queria mostrar às clientes que podiam ficar tranqüilas, as chuvas seriam bem vindas pois agora a laje estava protegida. Mas... deixei o celular lá embaixo! Novamente seu Antonio se ofereceu para ir buscar.

No dia seguinte, mesmo sendo um domingo, fui à obra para ver, aliviada, que as telhas já estavam na posição e as inundações agora são apenas úmidas lembranças. Só que, desta vez, levei uma máquina fotográfica pendurada no pescoço. Não quis correr o risco de ter que pedir de novo ao gentil empreiteiro que descesse o andaime para que eu pudesse registrar de forma precária a eterna luta do ser humano contra os fenômenos naturais.