O cafetão
Convivi com Carlinhos em Marombas, onde nascemos. Passei toda a infância e parte da juventude com ele e outros amigos: Leca, Ovinho, Puruca. Brincávamos de bola, taco, pião, esconde-esconde e fazíamos as travessuras da época. Fomos descobrindo que Carlinhos era um preguiçoso quando precisávamos de sua colaboração. Se fosse na roça, o pessoal diria:
“A gente plantava mandioca, descascava e moía; o Carlinhos plantava sono, coçava e dormia”.
No futebol, ele era clássico, não porque esbanjasse categoria, mas por não correr para não se cansar. Nem para colocar os dois tijolos para as traves ele ajudava. No taco ninguém o queria como parceiro. Se um garoto acertasse uma forte tacada e ele tivesse que se deslocar velozmente até pegar a bolinha, o jogo acabava ali mesmo, pois ele ia andando. Até no esconde-esconde era um desastre. Chegava a dormir no esconderijo. Várias vezes esquecíamos e íamos para casa e, só no outro dia ficávamos sabendo que ele chegara só ao anoitecer.
Passamos a chamá-lo de Calinho, pois era um calo nas nossas diversões. Não quis estudar como nós o fizemos. Resolveu dar uma desculpa esfarrapada para a mãe.
- Eu paro de estudar para cuidar das crianças, já que a senhora não consegue dar conta dos afazeres domésticos e mais destes sete piás.
A mãe acatou a ideia e, assim, Calinho foi levando a vida. Ou seria melhor dizer, a vida o foi levando.
Afastei-me dos amigos quando fui para a universidade, na capital. Depois de alguns anos voltei para a terrinha e encontrei três deles numa bodega. Bebemos cachaça e colocamos as fofocas em dia. Inteirei-me de praticamente tudo o que acontecera na pacata cidade durante minha ausência.
- Eu – disse Leca, - sou eletrotécnico, não formado. Conserto rádios, televisores, faço ligações elétricas nas casas e outros bicos.
Ovinho foi o segundo:
- Sou agricultor. Ganhei umas terras do pai e trabalho duro para sustentar a família.
Puruca, já com os olhos vermelhos da cachaça relatou:
- Tenho dois caminhões, transporto toras para as serrarias, principalmente, para a do tio Juvêncio.
O tema principal de nossa conversa foi o Calinho, ausente naquele momento de descontração. Perguntei que fim ele levara e a resposta veio cheia de detalhes.
Leca se antecipou:
- Calinho deu o golpe do baú, ou melhor, da sacola. Porque a mulher com quem ele se casou não é rica, porém é bem de vida. É minha cunhada. Eu casei com a Vitória e ele com a Veriana, filhas do João Baixinho. A Veriana fez faculdade de
Contabilidade e passou no concurso da prefeitura. Abaixo do prefeito, é o melhor salário.
Calinho nunca quis trabalhar. Encostou-se ali, Veriana aceitou e ele só cuida do casal de filhos. O que faz muito bem.
Leca continuou:
- Conheces o Seu João Baixinho. É um trabalhador exemplar.
Até hoje, já com oitenta anos, continua fazendo praticamente tudo o que um jovem saudável faz. Não fica parado um só instante.
Está sempre trabalhando. Diferente do Calinho.
Puruca, que até aquele momento não opinara, disparou:
- Calinho é igual ao sogro.
Todos riram e discordaram.
Puruca então complementou:
- Calma pessoal, o Calinho é igual ao sogro, só que do lado avesso.
A gargalhada foi geral.
Pensei, enquanto sorvia a pinga, esse Calinho é um cafetão.
Não no sentido de agenciar prostitutas, mas no de viver à custa de uma mulher.
Perguntei para o trio:
- E ele não vem aqui conversar com vocês?
Ovinho respondeu:
- De vez em quando aparece. E falando no diabo, apareceu o rabo. Olha quem está entrando.
Calinho me reconheceu, veio em minha direção e me deu um forte abraço.
Não aguentei e arrisquei a provocação:
- Como vais, Cafeta?
Ele ficou espantado com o tratamento e respondeu com outra pergunta:
- O que significa isso? É gíria, tratamento ou apelido?
- É um novo apelido.
- Mas porque essa alcunha? O que significa?
Sorrindo para que ele não descobrisse a maldade:
- Qual é o teu nome?
- Carlos.
- O nome completo?
- Carlos Feitosa Tavares.
Alegre, então expus:
- As três primeiras sílabas do teu nome, formam a palavra Cafeta.
Calinho, pensou, pensou e devolveu-me:
- Caetano, posso te chamar de Carapa?
- Lógico que podes, já que meu nome é Caetano Ramos de Pádua.
Fiquei a meditar e, cá com meus botões, concluí: é preferível ser cara de pau a cafetão.
Aroldo Arão de Medeiros
16/09/2007