Obrigado Deus por não ter ouvido!
Hoje que a tempestade acabou e as ruas estão secas, é noite a Luz já voltou, e nos bancos os caixas eletrônicos voltaram a funcionar, depois eu ter lançado pragas aos responsáveis da companhia de eletricidade pelas quarenta horas sem energia elétrica, venho aqui agradecer você Deus pelo raio que caiu e pelos momentos em que não me ouviu. Agradeço por não teres prestado a atenção em mim na hora em que blasfemei.
Acostumado as faltas de energia por algumas horas não me preocupei naquele dia, quando ao cair da noite iniciou o blackout. Não assisti aos programas de notícias, as crianças não assistiram a novelinha, nem minha esposa ao big programa. Mas a minha ira começou na madrugada quando levantei para fez xixi e vou até o banheiro apalpando, tropeçando e urinando no pijama. “Pó você não é meu Deus de toda hora, porque não acho pelo menos uma vela por aqui?” disse eu irritado. Da cama a minha esposa gritou: “Tem uma vela e uma caixa de fósforos na paredinha do banheiro, não enxergou?”
Notem que eu fique calado e fulo de raiva, como ia enxergar sem a luz? E como adivinhar que a paredinha que sempre achei inútil e já pensava em derruba-la, teria esta utilidade? Iluminado a luz de vela tirei o pijama molhado e fui deitar pelado. Os primeiros raios de sol, a sirene da fábrica vizinha que acorda as crianças e demais moradores às seis horas da manhã, neste dia não toucou. Aproveitei a falta da cobertura corporal inferior e namorei, mas corretamente, namoramos em silêncio!
Onde eu blasfemei contra o Senhor? Calma que eu explico! Foi na hora em que comecei a perder os alimentos da geladeira. O telefone já não funcionava, nem para pedir umas barras de gelo e enviar naquele compartimento frio que virara um forno. Mas como pedir barras de gelo, se apagou geral? Todas as cidades da região estavam às escuras em um prenúncio que ao fim do corte energético os coletores de lixo estariam entupidos, as ruas fedorentas, e as emissoras de rádio voltando a transmitir cairiam de pau na demora de restabelecimento, em tempos modernos que em que existem cabos transmissores de força extensos e isolados, que se usados nos privariam de tanto transtorno. Mas por economia, que as empresas chamam de custo benefício, aqui no Sertão não os temos para as emergências!
Jogamos fora os iogurtes das crianças junto com o leite agora azedo, que tomaríamos no café da tarde. Por via das dúvidas o requeijão cremoso foi pelo mesmo caminho. Os frangos que seriam nosso jantar já estavam com cheiro de urubu. Sei lá, nunca cheirei urubu! O certo é que já estavam impróprios para o consumo. Os mercados estavam fechados pelo mesmo motivo, às padarias naquela tarde nem pãozinho tinham! Não agi como cristão; joguei a minha ira também contra o Senhor; a palavra que usei é tão feia que aqui eu colocarei pontinhos em vez de letras: “Que m.... de Deus eu tenho que vai me deixar com fome?” O Senhor ouviu!? Fez de conta que não ouviu!?
Ainda bem que o Senhor é pai, muitas das vezes passa por cima do que dizem os filhos, os perdoa antes que solicitem, e não deixa os seus pequeninos sem o pão. Os cobre mais bonitos que os lírios dos campos. Lembrei das mandiocas que plantei no fundo do quintal, arranquei algumas raízes; cozinhamos e nelas colocamos manteiga derretida e degustamos com o café quentinho. Sem energia elétrica, com pouco barulho na cidade, com a esperança da luz só retornar no dia seguinte, entramos a noite na varanda tocando violão. E agradecendo a Deus a paz que havia muito tempo não tínhamos, pela reflexão do Reino menos complicado, e os alimentos naturais que desde o tempo da vovó havíamos trocado pelos enlatados modernos!
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Seu Pedro e família se uniram em um coro para cantar desafinados “Luar do Sertão”.