“Fui estrangeiro, e vocês me acolheram”

Há alguns anos, em consulta médica, notei que o doutor se formara no Brasil, mas se especializara na França, como atestavam os diplomas expostos na parede do consultório. Feitas as observações médicas, sobreveio pequena conversa em que o médico comentou sua passagem pela capital francesa, onde, em famoso hospital, conquistara clientes e tinha uma certa nomeada, por conta do sucesso em cirurgias. Perguntei-lhe por que voltara, e a resposta veio rápido: – Apesar de tudo, lá eu era sempre um estrangeiro.

Um estrangeiro! Dos cultos, inteligentes... Um estrangeiro de elite! E mesmo assim o jovem médico se sentia fora de seu terreiro, longe de sua gente, do seu consultório – certamente mais simples – nesta minha cidade quase grande de interior, onde as pessoas lhe pagavam, na grande maioria, valendo-se de um plano de saúde, que lhes custava grande parte dos recursos financeiros mensais... Mesmo assim, ele preferia nos receber, conversar conosco, sentir nossa admiração e não o olhar discriminatório de quem olha para o estrangeiro como um usurpador de oportunidades. Sua atitude me soava e soa como um “viva o Brasil”!

Me lembrei de outro médico, cuja biografia, assinada por Ronaldo Costa Couto, li recentemente. Refiro-me ao presidente Juscelino Kubitscheck de Oliveira. Mineiro de Diamantina, Juscelino nasceu em berço pobre, teve na mãe sua grande incentivadora e se fez médico, chegando a especializar-se na França. Depois, como se sabe, foi absorvido por uma carreira política exitosa, que o levou a presidente do Brasil. A ditadura “premiou” o democrata construtor de Brasília com o exílio na França, onde ele chegou a ser espionado pelo governo de Charles de Gaulle. Uma decepção! Juscelino, que viveu modestamente em Paris, achava tudo muito belo e ricamente cultural por lá, mas era o seu exílio, e o ex-presidente sofria por isso, chegando a pensar em desfazer-se da própria vida. Ele sonhava com o Brasil e certamente ainda nutria o sonho de voltar à presidência da República.

Dois médicos. Dois exilados à sua maneira. Fico pensando nesses milhões de migrantes mundo afora, nos que aportaram nas terras da América e em outros recantos do mundo. Como deve ser triste abandonar o solo pátrio e – sonhando com riqueza, com a ajuda a familiares, com uma vida minimamente melhor, com a libertação de regimes autoritários – ter de enfrentar frequentes humilhações em terras de gente desconhecida, rica, poderosa, vivendo novos costumes e a dificuldade de comunicação! Como triste e frustrante haverá de ser – a realidade das imagens nos mostra a toda hora – enfrentar uma viagem aérea de retorno forçado, em situação que degrada a condição humana!

Uma pena! Uma lástima! Uma decepção! É incrivelmente contraditório que, em um mundo tão ligado pela comunicação rápida entre os povos, o clamor dos sensatos não chegue eloquentemente aos donos do mundo, no sentido de movê-los ao respeito à dignidade do ser humano.

No meio dessa tragédia humana, é um lenitivo ver nosso país – que, infelizmente, não pôde acolher ao máximo seus filhos – recebê-los, agora, com o afeto que merecem neste retorno traumático.

Não arrisco dizer que o médico que inicia essa reflexão fosse crente em Deus. Talvez o fosse. Juscelino – tenho certeza – era temente a Deus, era religioso, era católico. Estivesse por aqui, aplaudiria o governo, e aos que professam um cristianismo hipócrita, acenaria para eles com o evangelho de Mateus, no qual se lê: “Pois eu tive fome, e vocês me deram de comer; tive sede, e vocês me deram de beber; fui estrangeiro, e vocês me acolheram; necessitei de roupas, e vocês me vestiram; estive enfermo, e vocês cuidaram de mim; estive preso, e vocês me visitaram". E quando foi que tudo isso aconteceu com Jesus? Jesus com fome, com sede, Jesus no estrangeiro e tudo mais? Não... Isso não teria acontecido necessariamente com Ele, mas com seus filhos queridos. Quem os ajuda ajuda a Jesus.