Crônicas da Minha Rua

Pode ser que nem todos sintam a mesma coisa pela minha rua, mas eu guardei e tenho saudades de tudo o que foi belo, pitoresco e tradicional, da minha querida Carlos de Campos.

Rua dos meus sonhos, rua onde nasci e passei os melhores anos de minha vida, cheia de heróis anônimos, tipos singulares e locais de muita história, você começava ali na viradinha dos Calangas e ia terminar na ponte do rio dos Curtumes. Passava pelo 20 de Setembro, um clube que teve seu apogeu nas décadas de 30 a 50, como clube de dança que recebia toda a sociedade da minha rua e também, das imediações. Eu ainda cheguei a assistir ali várias peças de teatro, apresentadas por um excelente elenco de teatro amador da Vila Industrial.

A minha rua continuava descendo e passava rente ao palacete dos Andreotis, uma das casas mais bonitas da cidade, na época. Mais um pouco, do lado esquerdo, o famoso “Arranca- calos” ou “Pinga-fogo”, como era conhecido aquele bar. Todas as manhãs eu ia para a escola e pegava um pedaço de gelo que ficava na porta do bar, pois a Cervejaria Colúmbia deixava ali duas barras para abastecer a grande geladeira, que também era fornecida pela Cervejaria.

O que aquele bar tinha de pitoresco era que todas as vezes que se comemorava alguma data festiva portuguesa, ali se reuniam muitos senhores lusitanos e até algumas senhoras, que ao som de várias guitarras, cantavam e pulavam dançando o fado. E coitado daquele que deixasse o pé no caminho. Daí, o porque do nome “Arranca-calos”.

Mais abaixo você chegava na venda da Raquela, armazém muito bom e bem abastecido, aonde eu ia sempre comprar alguma coisa que minha mãe pedia. A marca registrada da venda era o eterno gato dormindo no alto da pilha de sacos de feijão. Um cheiro gostoso de vinho tinto que eles vendiam e engarrafavam no local, e devia cair alguma porção no chão, daí aquele aroma tão marcante. E também, a fidalguia dos irmãos Pascoal e Pedro Carilo, filhos de Dona Raquela.

Mais abaixo chegávamos ao bar “Último Gole”, onde nós, os garotos de minha época, íamos brincar ao seu redor, sempre com muitos cavalos perto da porta. Era um ponto obrigatório de boiadeiros e tropeiros virem tirar a poeira da garganta, com um generoso trago de pinga.

A rua da boiada, como era chamada, passava ao lado do bar, daí a afinidade com os condutores de boiadas ou tropas de burros.

Mas eu tive a oportunidade de assistir a um fato que marcou muito aquele bar. Em determinadas tardes ali se reuniam vários homens conhecidos como valentões: Maneco Duarte, José Negrão, João Coruja e outros que não eram tão conhecidos, mas faziam parte do grupo. E lá pelas tantas, já com a voz meio atazanada de tanta pinga e cerveja, eles resolviam cantar uns versos de uma música que eles conheciam, e o faziam com muita emoção e carinho. A música falava de um trem que saia do mercado, era chamada Funilense, e corria na época a uns 30 km/h e havia matado um cachorro de um deles.

Daquela música, eu guardei um verso que dizia assim:

“A marvada Funilense,

Corre, corre,

Como o vento.

Lá na curva da estrada,

Foi matar o violento”

E ai daquele que achasse graça na cantoria deles.

Depois do “Último Gole” vinham as 3 figueiras, que muitos diziam ser mal-assombradas, mas que para mim, elas só davam muitos figos, de grande sabor. Ali do meio das figueiras, saia um caminho que levava até a casa do Sr. Gregório, um espanhol muito bom que comprava ferro-velho, e que para nós garotos da época, era muito importante.

Depois de um dia cansativo catando ferro, vidro e ossos, o Sr. Gregório nos recebia sempre alegre e nos reembolsava com muita honestidade.

E terminando a Rua, chegávamos aos Curtumes Cantúsio e Firmino Costa.

Sei que tudo o que escrevi pode não ter muito valor para aqueles que não nasceram, não foram criados ou não amaram a minha rua. Mas escrever sobre ela é para mim uma grande emoção, pois sei que um dia eu vou parar, mas você vai continuar o seu grande destino, minha velha e querida Rua Carlos de Campos.

Laércio
Enviado por Laércio em 20/01/2008
Código do texto: T825051