Quermesses

A minha infância foi cheia de atividades. Para ter algum trocado no bolso, era necessário fazer alguma coisa e uma delas era empurrar cavalinhos de pau em quermesse.

Quando eu via o velho Chevrolet tigre descendo a Carlos de Campos e o Batigalô e o Semente de Bucha tocando bumbo e prato, eu sabia que a quermesse do Sr. João Vicentini havia voltado. E ele trazia várias atrações para o público, mas para mim, o que interessava eram os cavalinhos, que ainda eram acionados manualmente e representavam alguns trocados, pois eu me candidatava a empurrar os cavalos.

Para vocês ficarem mais familiarizados com a turma do Sr. Vicentini, vou apresentá-los: nos cavalinhos o Batigalô, um crioulo de uns 25 anos, muito sério, com sua camisa e calça de brim cáqui, muito grosso, nos dias ou noites quentes, cheirava a cachorro molhado; o Semente de Bucha, outro crioulo, que tomava conta dos barquinhos, que devia ter uns 20 anos mas também era muito fechado, com sua calça azul e uma túnica amarela de soldado, muito maior do que ele, que parecia não ter fim, e que lhe dava um ar de “otoridade”, como ele mesmo dizia; o “Dito Brinjela”, no tiro ao alvo, era um mineirão com um cabelo liso, emplastado de vaselina, parecia um galã do cinema mudo, sempre bem vestido e gostava de conversar muito. Cada vez que abria a boca, parecia uma lanterna visto ter ele vários dentes de ouro; nas argolas tinha a Vilma, moça meio parente do Sr. Vicentini, muito boazinha e educada. O diabo é que as argolas deviam ser menores do que o quadrado de madeira onde ficavam os prêmios, daí ninguém acertava; na tômbola tinha a Dona Vera e o Sr. Afonso. Ela vendia as cartelas e ele recebia pois, apesar de aparentar alguma cultura, o Sr. Afonso não sabia fazer troco e, também para cantar as pedras do jogo era outro problema, dava a impressão que ele não conhecia números. Não poucas vezes o dono da quermesse precisava intervir para dar andamento normal ao jogo.

Feita esta apresentação, vamos voltar aos cavalinhos. Para cada três tinha uma barquinha com 4 lugares. Como eram 12 cavalos, então havia 4 barcas; em cada barca havia um menino para dar impulso na roda. Era muito leve e ninguém fazia muito esforço. O Batigalô dava um apito e nós dávamos uma empurrada até atingir uma certa velocidade. Ai, nós sentávamos do lado da barca, até diminuir a marcha. Eram três empurradas ao todo. Quando ele dava outro apito, era para nós irmos segurando para parar.

Uma noite vimos o Batigalô correndo paralelo aos cavalinhos. Era por que o Eduardo Leitão, este era o seu apelido, estava se sentindo mal, e encarregado sempre muito atento a esses detalhes, Batigalô conseguira tirar o menino do cavalo em movimento. O Eduardo, ao subir no cavalinho, já devia ter comido, um pouco antes, uns 4 pastéis, chupado uns três sorvetes e devorado uns 2 pacotes de pipoca, e devia ter uns 10 anos. Era muito gordo para a sua idade mas tinha motivo para isso, estava com a boca sempre cheia. Daí, com o movimento dos cavalinhos, ele só tinha que passar mal. Quem lhe dera o apelido de leitão acertara em cheio.

Vocês dirão: o que eu ganhava com isso ? Eu respondo: além de ser para mim um divertimento, sempre levava comigo no bolso duas moedas amarelas de 500 réis. E não era toda noite não, porque a concorrência era grande.

Felizes e sonhadores 11 anos que a gente só faz uma vez na vida !

Laércio
Enviado por Laércio em 20/01/2008
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