História do Cuidado
“A primeira evidência de civilização foi um fêmur fraturado de 15.000 anos.”
Margaret Mead
Eu pulava entre galhos revigorado com a beleza do caminho. Entretanto, essa alegria se desfez, pois desabei. Os sons da mata, antes tão musicais, soavam assustadores. Se aumentassem o volume, era meu fim. Tentei me erguer, porém minha perna fraquejou e ardeu. Urrei de dor e caí novamente. O destino estava posto: era um macaco morto. Restava aceitar. Todavia, o berro da fera não veio e apareceu, em seu lugar, uma oferta de ajuda de um macaco estranho.
– Você vai ficar bem. – disse ele. – Já aconteceu comigo e ela me salvou. – Apontou para sua acompanhante. – Naquele dia, aprendi que juntos somos mais. – Observei a parceira dele e percebi que ela estava grávida.
Desde aquele dia, cair da árvore não me apavorou mais. Sabia que haveria socorro da comunidade forte que se formou ao meu redor. Por isso, nem doeu quando colidi com o solo tanto tempo depois. O medo inexistia, em vez dele, senti o alívio de saber que não estava sozinho. Contudo, o semblante do meu velho amigo estava diferente de antes. Ele parecia... engravatado?
– Fratura do fêmur. – Diagnosticou ele. – São 10 moedas de prata. – Tomei um susto com essa informação.
– O quê?! E aquela história de juntos sermos mais? E a sua esposa que te salvou? – Fiquei em pânico diante da ruína de meu porto seguro.
– Paguei o dote justamente para isso. Está achando que é caridade? Eu tenho um filho a caminho, ora. – Ele deu de ombros e procurei a gestante, que expressava tristeza com o olhar.
– Mas não tenho moedas de prata...
– Aí já não é problema meu. – Ele deu as costas e saiu com a parceira sem se despedir.
Enquanto o casal se afastava, os sons de outro animal pareciam aumentar. Era um uivo? Não importava. Fechei meus olhos apavorado, sabendo que não conseguiria fugir daquele predador. A dor da perna irradiou para o coração lesionado pela traição e gritei por um socorro que não viria. Não mais.
Quando os dentes afiados de meu algoz lupino se aproximaram da minha face, senti líquido escorrendo na pele. Não era o sangue vazando de feridas, mas sim saliva de uma lambida amigável e gratuita. Naquele instante, entendi porque o cachorro era o melhor amigo do homem.