O mundo perdeu
Foi com muita tristeza que recebi a notícia da morte de Dom Aloísio Lorscheider. Sempre me considerei um privilegiado por ter tido a oportunidade de conhecer e conviver com D. Aloísio.Tempo em que fiz parte da coordenação de pastoral da Diocese de Itapipoca; mesmo tempo em que ele como arcebispo de Fortaleza era o presidente do Regional Nordeste I da CNBB que congrega todas as igrejas (dioceses) do Ceará.
D. Aloísio é lembrado principalmente pela sua coragem, autenticidade e sapiência. Sempre se posicionou a favor dos mais pobres e marginalizados. Criticou os regimes autoritários e defendeu a Democracia como alternativa à convivência humana, embora muitas vezes tenha dito que para o reino de deus Democracia ainda é muito pouco. Segundo dizia, o reino de Jesus Cristo supera em muito a Democracia porque é baseado na justiça e numa justiça igual para todos.
Foi um extremo defensor dos direitos humanos. E quanto a isso não foi apenas aquele que ensina, mas também aquele que faz. D. Aloísio é aquele que não ficou calado, mas o que falou quando foi preciso, que tomou atitudes quando foram necessárias. E em suas ações foi mais que pastor e mestre. Foi apóstolo e, porque não dizer, foi mártir.
Muito nos ensinou a nós que com ele convivíamos. Nos ensinou com suas palavras – lembro as homilias por ocasião das Romarias da Terra e nas celebrações quando das mortes em conflitos pela terra – e nos moveu e comoveu com suas ações de extrema coragem – lembro de quando em visita ao Instituto Penal Olavo Oliveira acabou sendo refém de alguns presidiários que arquitetavam uma fuga. Jamais esquecerei a cena onde um detento – desumanizado - leva ao solo, mediante o gume de uma faca à garganta, tão bom e autêntico homem, tão pacato religioso, sexagenário e mais de uma vez safenado. Pouco tempo depois ele voltava ao presídio para outra visita.
Ouvi alguém criticá-lo: que aquela não seria atitude razoável para um religioso, principalmente com aquela idade e nas suas condições de saúde. E o pior: que aqueles homens – detentos – não mereciam aquele gesto. Só quem entendia a dimensão de sua ação em favor dos direitos humanos compreendia a grandeza de sua atitude. Desejo que aqueles detentos rebelados e o povo do Ceará, em especial os governantes, um dia compreendam porque aquele cardeal, tão frágil, via motivos para visitar aquela casa que existe com a pretensão de recuperar aqueles que se desviaram do que temos como sadia conduta social.
No tempo em que o estado do Ceará era palco do ranço coronelista D. Aloísio sofreu várias ameaças em virtude de seus firmes posicionamentos pela justiça e pela democracia. Mesmo assim jamais se abateu ou desanimou. Por exemplo, saía todos os dias para o trabalho dirigindo o seu Fusca verde, mesmo contra a vontade daqueles mais íntimos.
Sua fé e coragem, sua simplicidade franciscana, seu compromisso com a igreja, com os empobrecidos, com os favelados, com os sem terra, sem teto e sem direitos são exemplos que sempre nos enriqueceram.
Dom Aloísio deixa a todos nós uma grande saudade, principalmente àqueles que como eu tivemos um dia o privilégio de com ele conviver e ser por ele tratado pelo próprio nome. O céu ganhou.