Perda Lamentável
Neste dia 12 de outubro faleceu Maria Nazaré de Sousa. Nazaré Flor para os íntimos. E para o movimento, Nazaré dos Apiques.
Foi com este título que a conheci em 1984 e passei a admirá-la, como companheira dinamizadora das CEBs – Comunidades Eclesiais de Base da Diocese de Itapipoca, como professora dos programas de alfabetização de jovens e adultos do MEB – Movimento de Educação de Base, como companheira no Partido dos Trabalhadores, como liderança do STR – Sindicato dos Trabalhadores Rurais e do movimento local, regional e nacional de Mulheres Trabalhadoras Rurais.
A comunidade do imóvel Maceió, hoje chora a perda de sua mais aguerrida liderança. Digo a mais aguerrida porque ali há muitas. Mas a Nazaré deve ter sido a mais sábia e equilibrada, a mais justa, a mais ponderada, a mais maleável, a mais calma a mais amiga. Mesmo porque sendo mulher e mãe...Entretanto, Nazaré foi certamente a mais firme e mais decidida.
Fazendo-se ouvida nas reuniões, principalmente nas mais decisivas. Mesmo que não tivesse a palavra final, tinha a palavra mais lúcida. A Nazaré tinha a palavra do grupo. O grupo tinha a palavra da Nazaré.
Maceió viu nascer e crescer a esposa do Manoel, bravo pescador; a mãe adotiva e amável de um casal de meninos bem criados; a professora das primeiras letras para muitos jovens; a liderança comunitária. Itapipoca, o Ceará, o Nordeste, o Brasil e o mundo viram Nazaré crescer como liderança sindical e política. Como líder do movimento de mulheres representou o Brasil na conferência mundial de Beijim na China.
Sua sapiência e determinação foram marcantes especialmente na organização dos trabalhadores do imóvel Maceió desde a luta pela posse da terra, início da década de 80, onde as dez comunidades que compunham o imóvel necessitavam manter a unidade de um grupo de seiscentas famílias para assim enfrentarem o que eles chamavam de luta pela posse definitiva da terra. Mais tarde tendo sido vitoriosos na luta pela terra chegou a vez das lideranças provarem para si mesmo e para o mundo que a luta fazia sentido, que a reforma agrária dava certo. Era a hora mais difícil, a hora do desenvolvimento de projetos produtivos. Liderar pessoas, projetos e recursos. Surge a associação e a cooperativa. Nazaré é a mesma força sempre presente com sua personalidade forte e suas opiniões bem plantadas.
Em 88, em plena ação constituinte, a reforma agrária era motivo de inúmeras ações mais e menos democráticas, mais e menos humanas, por todo o Brasil. Nos meios de comunicação eram comuns as divergências de caráter ideológico e político em torno da questão da terra. Recordo quando Nazaré enfrentou um representante da UDR – União Democrática Ruralista - num debate numa emissora de rádio local.Na sua simplicidade, porém com muita sapiência e coragem Nazaré defendeu e argumentou com brilhantismo a sua causa, a causa dos trabalhadores, diante da truculência e do autoritarismo de seu oponente.
Nazaré foi valente e nunca deixou de dizer a sua verdade. E sempre encantou com seus argumentos, apesar da pouca escolaridade.
O lamento da perda só é compensado pela certeza de que a Nazaré viveu com muita dignidade o seu tempo e a sua história. Que nos sirva de exemplo a sua dedicação, a sua coerência de ações e sentimentos, de discurso e de práxis. Adeus, companheira.