Durante a chuva
Não gosto de responder perguntas. Respondo, às vezes, por conveniência ou obrigação. Todavia, preferiria não fazê-lo, tal qual Bartleby, o Escrivão. Mas acontece que, esta semana, um milagre estatístico aconteceu: contra todas as previsões meteorológicas, choveu.
À ocasião, eu andava a pé em uma rua sem teto e, para não sofrer um encharcamento em via pública, tive que me abrigar no primeiro esconderijo que encontrei. Ou seja, sob a marquise de uma loja sem placa.
Foi uma excelente ideia essa, à qual eu e mais dois conterrâneos, por escassez de opções mais apreciáveis, nos vimos forçados a aderir. Dividirmos aquele um metro quadrado por aproximados 20 minutos, o suficiente para percebermos que, como sabe a elasticidade, durante chuva, o tempo estica mais que elástico de peteca.
Éramos nós três: uma moça alta e séria, um garoto colorido e eu, o sem atrativos visuais, embaixo das asas da marquise da loja sem placa. Nós três e o medo da chuva. Uma chuva primeiramente magra, mansa, meiga, mas bastante molhadeira. Em seguida, com o auxílio de um vento frio e largo, caudalosa, cheia, chamativa, capaz de provocar inundações severas ou, no mínimo, virar um guarda-chuva de ponta-cabeça.
Diante da primeira, nossa reação foi mais de contemplação que de temor. O mais jovem de nós, entre nós, o garoto de bigode raso e bermuda colorida, ensaiou um assovio afinado; aproveitei a mansidão da magra e meiga para molhar os pés em seus pingos celestes, um de cada vez porém; e a moça a nosso lado preferiu enfatizar o simbólico ato de cruzar os braços; enquanto, sob nossas cabeças, a chuvinha calma afagava as asas da marquise da loja sem placa. Quer dizer, o mundo.
Mas foi por pouco tempo. Porque, subitamente, as doces gotículas engrossaram, a rua sem teto ficou totalmente molhada, irreconhecível, e nós percebemos na prática a passagem lenta do tempo e a falta que um guarda-chuva faz, ainda que no verão.
O garoto silenciou os assovios, ficou quieto, a olhar fixamente para uma fresta entre paralelepípedos, como se tentasse decifrar um enigma universal. A moça, do alto de seus braços ainda cruzados, estátua, parecia buscar resistir ao frio e à impaciência, lançando mão de um olhar distante e benevolente. Quanto a mim, testava os limites do espaço que ocupávamos, percorrendo de um lado a outro o metro quadrado, esperando com a ação diminuir o tédio e afugentar provisoriamente a chuva.
Quando finalmente me entediei de vez do ato inconveniente, perguntei a mim mesmo, em voz alta, como quem fala ao vento, sem pretensão alguma em obter resposta:
— Afinal, laranja é fruta ou cor?
A princípio, nem a moça estátua nem o garoto decifrador de brechas entre paralelepípedos pareceram me ouvir, mas eu sabia que sim, como ficou comprovado cientificamente depois, uma vez que a moça piscou e o garoto, desviando por piscar de olhos de sua fresta, verbalizou, ainda que laconicamente, como quem responde à pergunta banal:
— Fruta, respondeu, sem fornecer detalhes.
A moça altiva virou lentamente a cabeça na direção do garoto, levantou as sobrancelhas, no momento em que seus braços, agora semicerrados, transbordavam uma mistura de curiosidade e incredulidade.
— Depende, respondeu, igualmente enxuta, para em seguida voltar a seu estado inicial, isto é: silêncio e inamovibilidade.
Nesse momento de inamovibilidade temporal e física que a chuva nos impunha, nós — uma moça alta e séria, um garoto colorido e eu, o sem atrativos visuais— nos rendemos à sua majestade, a chuva: decidimos formalmente desviar nosso olhar para o céu molhado. E então, finalmente, a chuva parou.