Jardim do Leme

Quis o destino que eu fosse testemunha ocular da história. Passava por acaso uma manhã pela Praça Correia de Lemos, que todos nos habituamos a chamar Jardim do Leme, com muito carinho, quando deparei com uma cena chocante: Estavam ali muitos homens da prefeitura, com suas ferramentas, para cortar muitas árvores do jardim, inclusive vários alecrins quase centenários. A praça ia ser modernizada, conforme palavras do encarregado do serviço.

Enquanto os machados iam cortando voavam lascas não de madeira, mas de saudade. Lembrei-me do meu tempo de criança, quando meu pai tinha me levado até ali, para ouvirmos a Banda Italo-Brasileira, campeã do Brasil por ocasião do centenário da independência em 1922.

Em cada instrumento tinha um professor e lembrei, que ao som daquela banda, passeando sob aqueles alecrins quantos namoros começaram e acabaram em casamento. Recordei que eu vinha todos os dias subindo a Sales de Oliveira para ir ao Parque Infantil, e parava ali na sombra dos alecrins para tirar um fôlego, pois a minha caminhada era exaustiva. Saia eu da escola, na 24 de maio às 11 horas, ia para casa no 960 da Carlos de Campos para almoçar e tinha de estar no Parque às 12:45. Ali também cruzavam os bondes da Vila Industrial 1 e 2, e quando um dos bondes estava atrasado, os passageiros desciam do estribo e vinham para a sombra. Às vezes eu acho que até o sol vinha tirar um cochilo na aconchegante sombra.

Quando recordava tudo isso, eu ouvi uma voz que disse: ”... já era tempo da prefeitura fazer uma limpeza nesta praça..”. Virei-me com raiva, pronto para xingar o autor daquelas palavras, mas vi que não valia a pena. Elas tinham vindo de um nanico, ainda às 11 horas da manhã, com um pijama listrado verde e vermelho, com uns óculos de aro bem grosso e um monte de jornais do dia embaixo do braço. Deduzi que seria algum infeliz, precocemente aposentado, entrincheirado atrás de alguma robusta conta bancária, para quem a beleza da vida já tinha perdido o sentido e o mais importante, sem raízes na Vila Industrial ou em Campinas.

Parti, e reconheci que modernidade e saudade não podem caminhar juntas, e que Campinas é tão grande e acolhedora, que poderia abrigar indivíduos como aquele.

Laércio
Enviado por Laércio em 19/01/2008
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