Meu primeiro carro?
Ele é o terceiro de oito filhos. Os pais não mediram esforços no afã de dar a melhor educação, embora algumas vezes tenham sido severos a ponto de lhes aplicarem umas palmadas. Mas nenhum dos filhos se queixa das surras. Ao contrário, são unânimes em elogiar a educação que receberam. Apenas uma reclamação dos filhos homens: o pai não os deixava fazer serviços braçais e, assim, não aprenderam pequenas tarefas que, adultos, serviriam para quebrar o galho dentro de casa.
Ele recebeu todo o incentivo para estudar. A mãe, mesmo não tendo o primeiro grau completo, era quem cobrava os deveres da escola e os ajudava, ensinando o que sabia e enrolando no que não sabia. O pai era o provedor: não deixava faltar um lápis, um caderno, e tudo que os filhos necessitassem para seguir o caminho dos estudos e não se perderem na vida.
Em agradecimento ao esforço dos pais, dedicou-se com afinco aos estudos: graduou-se em curso superior. E depois de três meses de trabalho, havia juntado quantia suficiente para comprar um pequeno carro, que deu de presente ao pai. Uma das irmãs declarou, à época, que ele era um palerma, que deveria ficar com o carro. Mas ele corroborou que faria tudo de novo e que seu pai merecia muito mais.
Aprendera com o pai que ajudar os filhos dignifica e faz bem ao coração. E sempre se pautou por este lema quando ajudou os próprios filhos. Teve a felicidade de poder dar a cada um deles um automóvel quando completaram dezoito anos.
Não foi carro novo, como fizera com o pai. Afinal, agora estava casado e tinha a tarefa de sustentar a família: esposa e três filhos homens.
Ele já tem uma neta, a qual ama como a filha que não teve. Todo mês lhe dava um presente. Mas certo dia concluiu que deveria mudar as regras. Não deveria mais ter aquele compromisso do presente mensal. E falou para a neta, já então uma garotinha de dez anos de idade:
- De hoje em diante não vou te dar um presente todo mês, porque tudo o que me pedes, eu te dou, não é?
- Está bom, vô. Então vou fazer meu último pedido: me dá um carro!
Ele respondeu, em tom amistoso:
- Legal. Vou te dar um carro. Espere.
Ele sempre gostou de comprar seus veículos através de consórcio, com o firme propósito de ter um carro novo a cada cinco anos, que é o tempo máximo até ser contemplado. Quando se aposentou, recebeu uma boa bolada de indenização e resolveu investir num veículo maior, adquiriu à vista uma camioneta, desfazendo-se de seu pequeno carro com três anos de uso. Para sua sorte, ou azar, uma semana depois da conversa com a neta foi contemplado no consórcio, do qual já estava quase esquecido. Para não perder o investimento, aceitou o carro com a intenção de circular com o veículo pequeno dentro da cidade, utilizando a camioneta mais para viagens.
A neta quando soube que o avô estava de carro novo não perdeu tempo, contou para as amiguinhas o acontecido:
- Meu vô é tão bom que não passou nem uma semana e já entregou meu presente: o carro.
As amiguinhas riram dela que, séria, garantiu:
- É verdade.
- Mas tu nem podes dirigir!
- Ele vai ser o meu motorista. Vai me levar para todo lugar que eu quiser. Quando eu completar dezoito anos, tiro a carteira de motorista e então eu vou ser a motorista dele, para retribuir tudo o que tem feito para mim.
Ele sentiu os olhos marejarem quando soube da conversa da neta na escola. E divagou, sozinho, o pensamento voando longe:
- Ela ainda não sabe que o mundo dá tantas voltas quanto as rodas do carro...
Aroldo Arão de Medeiros
25/10/2010