Nas Pegadas de Papai, Perdi o Medo de Voar

Por Nemilson Vieira de Moraes (*)

Papai foi um bom contador de causos; -- verídicos ou não. Não consigo explicar seu jeito único de preparar cada enredo, certo que, a sua maneira de contar essas histórias, dava gosto de serem ouvidas. Se tomasse um conhaque de alcatrão, suas prosas se estendiam até sumirem de vista.

Aos de casa, na maioria das vezes, não contava quase nada. Se fechava no seu mundo interior, mas com os de fora ia longe nas exposições de seus causos... e sempre prendia a atenção do interlocutor que, interessado e atento o ouvia. Com mais idade, esquecia que já havia contado uma história e contava novamente.

Numa mesa de bar, num relato demorado, e quase ao final do mesmo, cutucava o ombro do seu interlocutor, com o dedo indicador e perguntava: "Tá, entendendo?" Se dissesse que "não" ele tornava a contar (lá do início).

Aos amigos, nesses ambientes e noutros tinha toda liberdade para soltar a sua imaginação... se esquecesse de um por menor, o improvisava na hora e a sua história fluía sem tropeços.

Gostava de contar a um, a outro, sobre algumas de suas andanças pelo Brasil (nunca a passeio, sempre a trabalho ou a procura de um), eu amava ouvir e acompanhar esses relatos e só arredava o pé, após às conclusões destes.

Papai morava no Maranhão e numa viagem que fez ao sudeste brasileiro, provável ter saído de Fortaleza (CE), pela proximidade e disponibilidade de voos em aeronaves de pequeno, médio e grande porte. Com muitas ideias na cabeça, numa certa manhã de setembro, de sol ardente na capital cearense, voou nas asas duma aventura, com destino à capital carioca.

Nesse encanto de lugar (Rio), conheceu e andou na primeira geração de bondinhos e viu, das maiores alturas (do Morro da Urca, e Pão de Açúcar) à cidade inteira, radiante e rendida aos seus pés; a, encantá-lo com o seu charme de menina-moça na formosura dos bons tempos.

Dentre outras ocupações que exerceu no Rio, o papai trabalhou com um empresário português, na área comercial. E soube deste que, o nordestino é trabalhador; e muito bem visto pelo empresariado local, quanto a aquisição de boa mão de obra. Dizia que (sem generalizar), "O trabalhador carioca não era tão afeito ao trabalho como devia; por não levar a sério o serviço: em faltas e 'corpo mole'.

Noutra empresa, trabalhou como auxiliar de restaurações; com a Restauradora Maria Carlota (também portuguesa). A sua ocupação consistia na conservação e restauração de obras de artes religiosas, como pinturas, esculturas, objetos litúrgicos e arquiteturas de igrejas...

Mas, com o aparecimento de problemas de saúde ocupacional, relacionados ao ofício (pela inalação de partículas flutuantes, potencializado pelo manuseio contínuo do verniz) foi orientado a deixar de imediato a atividade; para que, seu quadro de saúde não se agravasse ainda mais.

"Menino sonha com coisas que a gente cresce e não ver jamais..."

Mas, eu pude alcançar esse sonho de menino que um dia sonhei: desejava desde garoto passar por onde papai passou e fazer essa mesma viagem que ele fez, ao Rio; de avião também.

Como realizar tamanho sonho seu eu temia o desafio de voar? Vivia sem entender e, questionava-me como alguém têm tanta coragem de viajar num avião e até trabalhar num (como tripulante)? E fiz um texto com o título "Tenho Medo de Voar".

Em 2017, ganhei passagens de ida e volta ao Rio de Janeiro, a um evento cultural internacional, na Casa das Beiras, Barra da Tijuca. E lembrei do meu sonho de menino de fazer a viagem que pai fez e, de seguir suas pegadas pela "Cidade Maravilhosa", e não pude adiar o sonho.

E assim, pude contemplar dos céus as belezas do Rio de Janeiro (as naturais e a criada pelo homem) e fui abraçado pelo Cristo Redentor a me desejar boas vindas.

Andei de teleférico de terceira geração, também estive no bondinho que papai andou (a lembrar deles e das suas pegadas), nas décadas de 1940/50.

Na Praia Vermelha, refresquei os meus pés, já em Ipanema mergulhei o corpo inteiro. Não suportei o veranico de janeiro (com seu calor) e após 4 dias de estadia nessa megalopolis tão desejada, retornei nas asas dos ideais, ao meu reduto mineiro com outro texto: "Perdi o Medo de Voar Voando".

*NemilsonVieira de Moraes Acadêmico literário da ANELCA/ALB

(02:01:25)

Nemilson Vieira de Morais
Enviado por Nemilson Vieira de Morais em 05/01/2025
Reeditado em 05/01/2025
Código do texto: T8234453
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