Palavras de minha mãe
Edson Gonçalves Ferreira
Se mamãe estive aqui, este ano, faria 88 anos. Ela foi cedo, mas deixou suas palavras soltas na minha boca. Eu faço poesia porque bebi dela e dos meus ancestrais o verbo poético. É meia noite e, na televisão, asssisto a um documentário de Elis Regina, a cantora paixão nossa, sim da nossa família.
Houve duas vezes que vi mamãe de luto, por causa de alguém que não era da família. Uma foi quando Clara Nunes morreu, ela chorou mais de uma semana. Depois, quando a querida Elis Regina partiu, a minha casa toda ficou de luto. Todo mundo chorava desesperadamente. Os vizinhos achavam estrano que nós, os Gonçalves Ferreira, chorássemos por causa de uma cantora. Não conseguiam valorar quem partia.
Eu sou suspeito porque, quando morei no Rio e, habitando num convento franciscano, saía na sexta-feira, para ir curtir teatros e shows. Nessa época, pude assistir e, às vezes, conversar com Elis Regina, Bibi Ferreira, Sônia Oiticica, Rachel de Queirós, Osvaldo França Júnior, Roberto Drummond e outras personagens que, hoje, são lendas do Brasil.
Como minha mãe, sempre achei que todas as pessoas são especiais. Não precisa ser artista, nem rico, basta ser gente como a gente. Quando, contudo, a humanidade excelencia, a gente apaixona. Foi isso que aconteceu entre minha mãe e Clara Nunes, entre mim e Elis Regina.
Por isso, nesta madrugada de 19 de janeiro, relembrando a partida de Elis Regina, vendo um documentário sobre ela, resolvi escrever esta crônica, lembrando do luto da minha família quando ela se foi. Eu trabalha numa grande empresa e faltei e, quando interrogado, depois, respondi: morreu uma pessoa da minha família. Meu chefe perguntou: _ Quem? Respondi, tranqüilamente, Elis Regina, porque se até minha mãe chorou, ela se tornara membro querido da família Gonçalves Ferreira.
Hoje, ouvindo as declarações de Elis Regina sobre a mãe dela, lembro da minha mãe e da sabedoria dela. Que mulher incrível, tão incrível que amava outras mulheres incríveis como ela como: Carmem Miranda, Elis Regina, Clara Nunes. Essa crônica talvez seja feita por minha mãe através da boca desse filho que a ama desesperadamente.
Divinópolis, 19.01.08