Os Dois Lados da Madrugada

É 1:49 da manhã. Estou deitada no sofá da sala, uma manta velha me cobre as pernas enquanto a TV murmura baixinho. A luz azulada do aparelho ilumina a penumbra ao redor, lançando sombras trêmulas nas paredes. Passeio pelos canais sem rumo, tentando enganar o vazio dentro de mim. Talvez esteja passando uma série de sobrevivência no Discovery Channel ou um filme adolescente na Disney. Não sei ao certo, porque, embora meus olhos estejam fixos na tela, minha mente insiste em voltar para você.

O relógio na parede marca o tempo com um tic-tac abafado. As memórias chegam como ondas de maré cheia, invadindo tudo. Penso no que poderíamos ter sido: os planos nunca feitos, os silêncios que poderiam ter sido diálogos. Isso me derruba. Amar sozinha é carregar um peso que não se divide.

O sofá range quando mudo de posição. Respiro fundo e me forço a olhar para a tela. Não ajuda. As cenas que vejo – sobreviventes em florestas ou adolescentes encontrando o amor – só reforçam a distância entre a realidade e o que eu queria que fosse. Então, meu pensamento ressoa como um eco: eu te amei, mas você apenas gostou de mim.

Amar alguém que não sente o mesmo é como atravessar um oceano solitário. Você, com seu sorriso fácil e presença radiante, está lá fora, iluminando outras vidas, enquanto eu permaneço aqui, naufragando em silêncio. Me pergunto, quem não se apaixonaria por você?

Agora são 1:54 da manhã. Meu celular vibra. O som preenche o silêncio da sala. É você. A mensagem simples, quase casual: "Está aí?"

Meu coração acelera. Uma parte de mim quer ignorar, fingir que sou indiferente. Mas não sou. Nunca fui. “Oi, estou. O que houve?”

Você começa a falar sobre seu dia. A voz digitada carrega o cansaço de quem carrega o mundo. Conta como foi difícil lidar com a sensação de amar alguém que nem sabe que você existe. A ironia da sua confissão me corta como uma faca: será que você não percebe que eu sou assim por você?

Enquanto escrevo palavras de consolo, engulo minha própria dor. A conversa flui. Você desabafa sobre o passado, sobre um amor que te deixou em pedaços. Sua frustração, tão genuína, faz meu coração apertar ainda mais. E, mesmo assim, continuo ali, ouvindo, apoiando.

As horas passam. O relógio agora marca 4 da manhã. Do outro lado da conversa, sua presença desaparece. Você adormeceu. Encosto o celular na mesa de centro e me permito um momento de silêncio.

Agora são 5 da manhã. O céu começa a clarear pela janela, tingindo o mundo de tons suaves de azul e rosa. Penso em você, desejando coisas que nunca poderei dizer. Quero que você encontre o que procura, que seja feliz de uma forma que não fui capaz de proporcionar.

Torço para que perceba que não precisa ser metade de ninguém, que seu sorriso é uma obra-prima por si só. Torço, acima de tudo, para que entenda que amar é compartilhar, não possuir.

Olho para a sala. A manta escorregou para o chão, o café frio na mesa. O mundo parece imóvel, mas dentro de mim, tudo pulsa. Agora são 5:30 da manhã, e, enquanto o sol desponta no horizonte, percebo a verdade que esteve aqui o tempo todo.

Eu sou a pessoa apaixonada, aquela que permanece acordada, esperando, desejando. E você, sem perceber, é quem carrega o coração partido. Dois lados da madrugada. Duas solidões que nunca se encontram.

Levanto do sofá, deixo a TV ligada. Lá fora, a vida começa a despertar. Mas aqui dentro, ainda estou presa ao silêncio, ao vazio, e, principalmente, a você.

Francisca Lorrayne
Enviado por Francisca Lorrayne em 04/01/2025
Código do texto: T8234121
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