GUANABARA
GUANABARA
PREFÁCIO:
NESSE ÚLTIMO dia de férias, já tinha me conformado e estava no conforto daqueles de voo de céu de brigadeiro. De madrugada já havia postado aquele que, pra mim, seria o último livro desse período áureo da minha vida. Só que as histórias elas não pedem licença. Elas derrubam portas. Sem enrolação sem inspiração sem noção sem absolutamente nada. Chegam e pronto. Essa é mais uma delas. Enquanto as pessoas postam suas fotos de viagens para os mais diversos lugares, jantares, bares, etc. A minha viagem foi para dentro. E olha que não foi um mergulho qualquer, foi como na água hoje, quando fui tentar colocar o pé para tocar a areia. Não deu. A água esfria, nem me atrevo, como fazia quando era mais novo a abrir os olhos embaixo d'água porque é judiar dos coitados que já tanto sofrem com essa escrita nessa tela miúda e nesse vai e volta desse teclado que sempre acaba digitando algo errado. Quando descemos sem saber a profundidade ou ver aonde se vai. A primeira coisa que penso em fazer é aproveitar que ainda é tempo e parar e subir de volta. Quando era bem mais novo, nem esquentava descia e subia e nem ligava. Pode chamar do que quiser. É medo mesmo, menos covardia. Mais novo só tinha compromisso comigo. Agora tenho esposa linda, filhos lindos e netos lindos e fora todos os outros lindos. Melhor então só nadar, boiar e aproveitar porque não devo nada a esse tal de medo mesmo. Houve épocas que sim.
A PRIMEIRA vez que me levaram lá não sei. Ela tem fotos num desses passeios quando era neném com nossa amada avó no lençol na areia. Com mais careca que cabelos, como ficou minha menina no seu primeiro ano de vida, já com a mesma fisionomia que carregaria para o resto da vida. Ela minha irmã tão querida. Como eu parece que fica nadando no formol. O tempo passa e encontramos com aquelas pessoas amadas que soltam de cara um: "nossa, mas você não mudou nada." Mas a certidão de casamento (sim quando se casa, sabe-se lá por quê cargas d'água recolhem nosso nascimento), quase perguntei se casamento era como o batismo nas águas para levarem minha coitada assim confiscada. Me acompanha a vida inteira e levam assim sem nem permitir uma despedida que seja. Foi. Só lembro que tinha bordas verdes e amarelas. Era a segunda via e mais nada. Está perdida em algum desses compêndios imensos, que só existem nos cartórios. E já que estou aqui ainda no início me pergunto se será assim que procedem em todos os países do mundo.
A PRAIA de Icaraí funciona como uma espécie de quintal para os moradores desse e de outros bairros. E como muitos deles, passei anos sem entrar nas águas que tantas vezes entrei na infância e ainda na adolescência pela desculpa da sujeira das águas e sim podem realmente estar bem sujas, principalmente depois de um dia de chuva. Só que a necessidade de mergulhar na água do mar é grande, quando se está acostumado toda a vida a isso. Nesses últimos dias, com o coração transbordando de gratidão e de emoção o mergulho se fez quase necessário. Foi como terminar o processo de reencontro do Renato num estado digamos sem graça (já falei que não me autopromovo, mas também não me acabo nos meus relatos) com um Renato totalmente repaginado. Reprogramado. Refeito. Satisfeito com a vida com a saúde, com a família, com Deus e consigo mesmo.
E NESSE reencontro, seguimos a mesma rotina: saída descalço, com cueca, short e sem camisa. Travessia pela Oswaldo Cruz e linha reta até a água. O tempo que se queira ficar na água. Caminhada pela beira da água e depois atravessar. Miguel de Frias e Moreira César (Atual Ator Paulo Gustavo). Quanto mais cedo melhor porque é protetor zero. Casa da mãe, banho e pronto. Hoje ao retornar. Todo esse texto veio ao meu encontro. Porém ele começa já lá na água. A primeira vez que me perdi na vida e foi com certeza a mais apavorante, quando se é criança o pavor ocupa toda a mente, observei isso já com outros coitados, criança não pensa com quatro anos, talvez até tenha alguma já ensinada nesse sentido (pedir ajuda, saber uma referência etc) não era o meu caso. Fui achado. Era também nesse tempo que vendiam o melhor mate e limão (bem melhor que ficar falando limonada) pelas areias da praia. Só aqueles galões na imaginação já pesam, haja saúde para cumprir a jornada que aqueles homens tinham de cumprir e descalços nas areias pegando fogo. Como uma coisa puxa a outra. Lembro de uma professora de língua portuguesa na escola que falava sobre as fotos que ela tinha do rio em Icaraí, quando ainda dava peixe e do conjunto das pedras do Índio e de Itapuca antes de fazerem a rua da praia. E a minha viagem vai ainda mais longe. Lá antes da descoberta. Quando os Tamoios, que deveriam ter esse nome só pra si (naqueles dias não tinha ninguém querendo saber qual índio era qual) e eram senhores desse pedaço de chão e águas, como deveria ser sair numa canoa e atravessar de uma ponta a outra. Como era pescar num lugar aonde as baleias vinham se abrigar e o mais do mais na minha curiosidade levada tão longe pelos pensamentos: como seria a cor da água? Como chamavam a ilha da Boa Viagem? E o gigante eternamente de boca aberta deitado? O corcovado? O pão de açúcar. E São Gonçalo. E todos os rios e praias que formam essa Baía, que continua tão bonita e por nós tão maltratada. Até hoje gosto de brincar que a Fortaleza de Santa Cruz se "esconde" por trás de uma rocha gigante e vai se descortinando e se mostrando a medida que vamos caminhando. Inevitavelmente lembro dos quadros Foz do Rio Icaraí e vista da Rua Presidente Backer do também niteroiense Antônio Parreiras e ainda consigo imaginar ele saindo mais um dia caminhando para pintar nessas mesmas areias. Nos tempos da sua pobreza e na incerteza do futuro, querendo sim vencer naquilo que escolheu para fazer: pintar. E ainda bem que venceu. Já dizia uma canção antiga, gravada por Fagner e Gonzaguinha e que sempre a versão que mais gosto é justamente a desse cara magricela que além de composições era um mestre nas interpretações. E sim sem o seu trabalho um homem não tem honra. Só que sem a sua honra, ele até pode se morrer e se matar. Se matar é burrice. Porque a falta do trabalho corrói a alma por dentro e dói como dói. É, por isso, que quando renascemos tudo passa a ficar como fica e até a água, escura, feia e com algum lixo, fica tão convidativa que você pára de se privar de alguma coisa que sempre esteve ali e te chamava para mais alguma diversão, relaxamento ou só nadar e boiar mesmo e aí você se joga e se lamenta porque não ouviu suas entranhas antes. Nadar no mar é uma sensação única. Seja o mar que for. Tomar banho é sempre bom em qualquer água. Sempre falo isso, mas o mar coloca você para se situar do quanto somos pequenos diante do todo e o quanto o Criador, mesmo com todas as nossas falhas nos ama e nos abraça. Obrigado meu Deus por tudo aqui que até hoje me deu. É tudo teu. Eis-me aqui amado meu. Usa-me. Usa-me. Gratidão por mais esse trabalho. Obrigado Senhor, obrigado.
Renato Lannes Chagas
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