A Minha Bola Vermelha que a Metade Era Verde
Devia ser o Natal de 1940, morávamos no velho casarão quadrado do 327 da Carlos de Campos, uma verdadeira chácara: tinha muitas frutas, muitas galinhas e frangos. Um verdadeiro paraíso para uma criança. Mas eu já andava meio inquieto porque ansiava pela chegada do Natal. Já havia feito um monte de pedidos para o Papai Noel, eu tinha quase desbotado o 25 da folhinha dos Bonturi, que ficava atrás da porta da cozinha, de tanto olhar para ela.
Certo dia eu tive certeza de que o Natal estava chegando. A cor de rosa do papel crepom, que cobria os fios elétricos dentro de casa, deu lugar ao papel verde, como se todos depositassem muita esperança no novo ano.
Os vidros das janelas estavam sendo limpos. Os grandes vassourões estiveram fazendo uma grande limpeza no teto do casarão sem forro. Tudo era clima de Natal.
Chegou o grande dia. Na véspera eu tinha até colocado debaixo da cama um punhado de capim, como era costume, renovei os meus pedidos que incluíam: automóveis-velocípedes, trem de dar corda, até um caminhão de madeira, e fui dormir.
Acordei bem cedo e passei a mão por debaixo da cama e toquei em uma bola de borracha de bom tamanho. Era uma bola vermelha que a metade era verde e tinha um cheiro de tinta tão forte e gostoso que eu esqueci dos demais pedidos, que não puderam ser atendidos.
Vendo que o dia já tinha clareado, fui até a janela da sala e vi que chovia muito forte. Então eu fiquei vendo a chuva cair, agarrado à minha bola vermelha que a metade era verde. De tanto segurá-la, parece que o seu verniz grudou em mim e hoje, passados tantos anos, ainda sinto o seu cheiro. Quem disser que saudade não tem cheiro, não teve uma bola vermelha que a metade era verde, como eu tive.