Humanos presos em corpos de Deuses

Fato curioso que permeia meu pensamento quase diariamente é esse das roupas e corpos das mulheres, e consequentemente o valor que elas dão a isso. Só posso falar sobre meu circulo de convivência, sobre minha faixa social, pois não tenho contato freqüente com outras nem procurei estudos sobre elas. Mas ao observar somente as pessoas com quem convivo, já tenho enormes ponderações a fazer.

Temos uma conduta muito interessante aqui por essas bandas brasileiras, onde as mulheres buscam certa dose de aprimoramento corporal, também os homens, mas aqui me detenho no lado feminino da questão. Há uma valoração enorme pelo corpo em meu meio. Mas, cautelosamente, pensei e chego a pensar que não é ao corpo que o valor reflete, mas sim o que ele pode fazer.

Os homens valorizam as mulheres pelos seus dotes físicos, elas correspondendo prontamente se enfurnam em academias, salões de beleza e demais impérios das modificações corporais. E muitos perguntam qual o problema dessa conduta, já que a vaidade até certo nível é uma boa coisa, cuidar da saúde como efeito colateral de exercícios é bom, e demais discursos enaltecedores da lapidação corpórea. Essa conduta em si não traz aparentemente nenhum malefício, excetuando-se aos exageros que são prejudiciais ao corpo.

O problema maior está no valor que ele levanta. Já que, com o corpo torneado e a beleza exaltada, os homens olham para as mulheres como aqueles objetos sexuais que elas se mostram ser. Ouço muitas reclamações sobre relacionamentos, as mulheres se queixam que os homens não as valorizam. Mas, lembrando-se de nosso eterno mestre Spinoza, nada carrega valor consigo mesmo, só valoriza alguma coisa quem o atribui valor.

Eis que as mulheres ao aprimorarem excepcionalmente seus corpos e suas aparências, dizem com isso aos homens, estamos nos preparando para o sexo, para a “pegação”, para o carnaval eterno que a vida tem se transformado. Transparece um sentimento palpável de “olhem meu corpo, estou pronta.” Pena que nem elas sabem para que, pois como qualquer outra mulher elas possuem anseios, desejos e projeções. Essas que são postas por água abaixo ao porem os olhos em seu aparato sexual.

Ouço muitos homens dizendo que ficaram, ou pegaram, fulana, e na HORA ela não era tudo aquilo. Essa promessa implícita carrega uma série de problemas, que aparecem à vista, só não querem enxergá-los. É praticamente desumano o que algumas pessoas fazem para manter a forma e cultivarem supercorpos. Há um estatuto de beleza, ditado por ninguém e aceito por todos em que cada pessoa cultiva o seu limite, e assim o limite atingido por uma pessoa torna-se o padrão a ser alcançado. E logo se caracteriza uma diferenciação tácita desses corpos em zonas de influência. Onde homens olham para mulheres e pensam “essa não é para o meu bico.” Como se a reciprocidade fosse mútua, como se a mulher que habita aquele corpo exuberante procurasse um homem com o corpo perfeito, e leia-se esse “perfeito” como um consenso meia boca, já que não há um limite estabelecido para esse limite.

Então eis que surgem seres humanos enclausurados em seus próprios corpos de deuses, que refletindo aos olhos dos meros passantes dizem que aquela pessoa pertence a uma outra casta de pessoas, as pessoas divinas, (essas que transparecem para a pessoa que olha duas idéias: 1. que aquela pessoa é inalcançável e; 2. que aquela pessoa é a máquina de sexo mais desejável possível) mas que por trás dessa máscara orgânica encontra-se uma mulher simples que quer ser amada tanto quanto as outras. Essa dualidade paradoxal da coisa é que intriga.

Vemos uma menina andando na rua com aquela roupa que exalta seu corpo, e basta ver em qualquer revista feminina para conferir as “20 dicas para andar na moda”, “10 conselhos para se valorizar” e demais variantes dessas odes ao físico. E andando normalmente na rua, essa menina que tem o corpo de uma máquina sexual se sente desconfortável, pois atrai olhares, ela não deseja isso, não, pelo menos, tanto quanto fazem. E assim ela se torna refém de seu próprio corpo, já que o cultivou com um intuito e o tiro saiu pela culatra.

Em uma sociedade que valoriza esse tipo de conduta, e depois descarta como a promessa feita que não foi cumprida, a confusão só pode ser completa. Já que em nenhum sentido, em nenhuma esfera a coisa desejada se iguala a coisa vivida. E antes que comentem que existem casos em que tudo se encaixa, esses, digo logo, são exceção, pelo menos em minha esfera social. Onde o valor do corpo sobrepõe ao da pessoa e depois decepciona pois o desejo era de uma pessoa, e no fundo tudo não passa do mais puro maquinismo sentimental e físico.

Em uma sociedade em que o valor da casca é maior do que do conteúdo paga-se por um apartamento mobiliado e percebe-se que comprou uma cobertura na Avenida Atlântica que veio mobiliada com móveis das Casas Bahia. Isso tudo porque, apresso-me em dizer, os móveis de tal casa não são ruins, apenas não condiziam com aquela expectativa, que de deus do sexo e máquina do prazer, apenas apresentou um ser humano desejoso, carente e afetivo.

leandroDiniz
Enviado por leandroDiniz em 18/01/2008
Reeditado em 21/01/2008
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