“Papai Noel NÃO EXISTE!”, disse minha filha - Há muito mais para simbolizar

Fui comemorar meu aniversário numa hamburgueria da cidade e, logo na entrada, havia um Papai Noel. E esse era de verdade, com roupinha de inverno vermelha, gorro, um cajado listrado com sino na ponta e barba. Não uma barba postiça, falsa; mas uma barba de verdade, branca, espessa, grande e muito bem feita. Era simpático, como se espera de todo Papai Noel. Até aí tudo bem, estamos na época do Natal, e meu natalício ocorre exatamente sete dias antes dessa grande festividade.

O Bom Velhinho olhou pra minha filha, Helena, de oito anos, e a chamou para uma foto. Um pouco relutante, com um ar meio contrariado e sem graça, ela foi. Postou-se ao lado do friorento senhor (ainda que no Natal brasileiro seja sempre verão), o rosto contrafeito esboçou um sorriso tímido. Feito o registro, fomos em busca de um lugar no salão que estava bastante cheio. Olhei pra Helena e percebi que não havia nela nada da alegria, empolgação e euforia que contagia as crianças depois de um encontro como esse. Curioso, perguntei:

- Gostou de tirar foto com o Papai Noel, filha?

- Não - respondeu ela, monossilábica.

- Por quê?

- Papai Noel não existe.

Não perguntei mais nada. A resposta me deixou satisfeito. Não que eu queira que as crianças não mais acreditem em Papai Noel, longe de mim... Mas, há muito tempo, talvez desde o final da minha infância, penso que esse Papai Noel não combina em nada com o nosso Natal. Nem ele, nem o pinheiro usado na maioria das árvores de Natal. Quase sempre, nos dias vinte e quatro e vinte e cinco de dezembro faz um calor dos diabos. Como, então, trazer para as ruas, shoppings e casas e transformar nos principais símbolos mercadológicos do Natal uma árvore típica de lugares frios e um velhinho em trajes de inverno, figuras tão distantes de nós? Certamente, alguém falará do simbolismo que o pinheirinho tem, da história do bispo São Nicolau e blá, blá, blá. Ainda que eles tenham todo esse significado, aqui no Brasil não dá. É sempre um calor dos infernos, de modo que expor o velhinho e a arvorezinha ao sol escaldante do Natal brasileiro se torna um crime hediondo contra eles. Pior ainda é quando o pinheirinho é branquinho, fofuxo, pra simular a neve que por aqui nunca caiu na maior parte do território. Falem o que falarem, contem a história que quiserem, usem os maiores argumentos possíveis pra justificar esse absurdo, que eu não engulo. Papai Noel com roupa de frio e pinheirinho coberto de neve não dá!

Além disso, ainda que em suas origens eles remetam à originalidade da festa cristã que, por mais que não pareça, é o que se celebra, eles roubam a cena. Tiram o foco do ator principal, daquele menino que nasceu despojado e pobre numa manjedoura. Eu sei que o Natal se tornou uma festa universal, inclusive sendo celebrado em culturas não cristãs. Eu mesmo não me considero cristão há um bom tempo. Mas gosto de Jesus, gosto do presépio, gosto da história de um deus que ama tanto os homens que, por amor, decide se tornar como eles e depois, carregar sobre si os fardos desses mesmos homens. É uma história belíssima que não pode ser ofuscada por um bom velhinho de roupa de frio, um pinheirinho de plástico coberto de neve e luzes piscantes.

Assim, lanço uma proposta que acredito ser do agrado de todos os cosplays de Papai Noel friorento brasileiros e que vai valorizar a nossa belíssima fauna: que os velhinhos se vistam de bermuda, camiseta regata, chinelos e boné (já vimos alguns assim por aí) ou algo menos abafado; e que no lugar do pinheirinho, plantemos na sala, nos shoppings, nas ruas e em todos os cantos o Pau-Brasil, a Chuva de Ouro, a Manacá da Serra ou qualquer árvore que não seja de inverno. Podemos até fazer réplicas de plástico das arvorezinhas, mas sem neve, por favor!. E que as cubramos de enfeites e pisca-pisca. Deixemo-las lindas, belíssimas para serem acompanhadas por Papais Noéis mais felizes por sofrerem menos com o calor. E que eles não sejam mais tudo isso que são, cedendo lugar à manjedoura e ao menino-deus. Faço essa proposta mais por nutrir um espírito diplomático em tudo o que faço, já que gostam tanto do senhor de pijama vermelho e do pinheirinho. Porque, na verdade, eles não me fariam falta alguma e até me traria um tanto de satisfação se esses dois símbolos fossem abolidos. Há um grito preso, que poderia ser o título desta crônica (“Abaixo o Papai Noel! Abaixo o Pinheirinho!” ou ainda “Matem o Papai Noel! Cortem o Pinheirinho pelo tronco!), mas que não vou dizer por respeito às opiniões diferentes e aos apegos a símbolos estrangeiros que nada dizem sobre nós mesmos e sobre a nossa relação com o menino do presépio.

Pinheirinho e Velhinho à parte, gosto do Natal. Gosto muito. E o celebro todos os anos. Por muitos anos, celebrei em belíssimas Missas em que cantávamos as Kalendas de Natal e o Adeste fideles tomados pela fé e emoção de rememorar a encarnação de um deus que se faz pobre e pequeno, trazendo para nós uma das histórias mais lindas que se pode contar sobre algum deus. Hoje, celebro com minha família reunida, que propõe um momento de oração, aceito por mim de bom grado, muita risada, comida e alegria. Por que é isso que o Natal emana: alegria, felicidade e, diante do menino na manjedoura, retomada de propósitos, revisão de vida e de pensamentos. Pois, se um ser que é deus e criador resolve se tornar uma frágil e pobre criatura e viver a nossa vida limitada, nós também podemos superar a nossa própria vaidade para viver uma vida mais solidária a altruísta. Assim, que a esperança que a manjedoura nos traz seja maior que o Papai Noel e que o Pinheirinho de plástico coberto de neve!

Feliz Natal a todos!

Thiago Sobral
Enviado por Thiago Sobral em 22/12/2024
Código do texto: T8225123
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