Carnaval: 
        símbolos em extinção

          Consta que se pula carnaval no Brasil desde 1641.
          Ao longo dos séculos, a festa momina sofreu significativas modificações. Quem não presenciou algumas dessas alterações, conhecem-nas através da literatura carnavalesca, que é extensa e rica.

          Pode até ser fácil, mas não nego que sobre o carnaval que se brinca hoje, não sei escrever com a indispensável desenvoltura. 
         Mas admiro, e muito, quem leva horas escrevendo sobre o desempenho de uma escola de samba; ou estabelecendo regras de como devem ser os modernos reis e rainhas do carnaval.

          Sobre o rei Momo, quero dizer o que todo o mundo já sabe, ou seja, que, seguindo a tradição, ele, pra não perder sua identidade, deve ser um sujeito obeso, alegre e glutão. 
          Não pode ser nomeado; deve ser eleito pelos foliões, independente do bloco ou clube ao qual eles pertençam ou torçam.
          Não recebe salário; recebe prêmios.

          Coroado, seu compromisso passa a ser, exclusivamente, com a folia. Reinará soberano.
          Até as maiores autoridades do Estado, durante o seu reinado, passam a lhe render homenagens e a lhe dever obediência; e temos conversado.
          Quem disser ou fizer diferente, estará adulterando a figura, e conspurcando a história do rei Momo.

          Deixo, entretanto, aos chamados colunistas carnavalescos a tarefa de escreverem sobre sua majestade, o rei da folia. 
          Os da Bahia que digam, por exemplo, se concordaram, ou não, com a indicação (não disse eleição) do novo rei Momo do carnaval de Salvador.

          Não agüentando ficar calado, quero apenas dizer, que considerei a escolha, ou se preferirem a indicação, infeliz.

          A cidade, de estonteante carnaval de rua, terá este ano um rei Momo franzino, raquítico, inexpressivo e insosso.  Seu biótipo e perfil se distanciam bastante do que se pode esperar de um soberano momino original e verdadeiro.

          Mormente quando se sabe que, já na velha Grécia, o carnaval era uma festa criada para homenagear a colheita: uma forma de "comemorar, com muita alegria e desenvoltura, os atos de alimentar-se e beber, elementos indispensáveis à vida". 
          Por isso, é histórico que o rei Momo seja gorducho, um lídimo representante da fartura.

          Absolutamente nada contra o nomeado. Trata-se de um cidadão baiano honesto e fazedor de excelentes amizades. 
          Mas ele  continuaria melhor situado se preservasse a imagem que até hoje o distingue e o identifica: o de um cordial dono de restaurante, a "Cantina da lua", local do centro histórico de Salvador boêmio e festejado.

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          Mas eu dizia no início que não sei escrever sobre o carnaval moderno. E não sei mesmo.  Me considero um sujeito completamente por fora da fuzarca momesca praticada nos dias de hoje.

          Faz algum tempo que o meu carnaval é o carnaval da saudade. O meu e o de muita gente que nunca esqueceu as batalhas de confete, a serpentina, o lança-perfume, e as inspiradas marchinhas carnavalescas de compositores como Noel, David Nasser e Braguinha. 

          E como os que me acompanharão nesta pobre página serão os coroas e ninguém mais, peço licença para recordar alguns símbolos do carnaval, praticamente em extinção. Estão desaparecendo no turbilhão das avenidas fantasiadas, orgíacas e etilizadas...

          Começo pelo Pierrô. Aquele cara apaixonado; sonhador. Deixando rolar pelo seu rosto uma lágrima, depois de ser rejeitado pela Colombina, que amava Arlequim.
          Muita gente - do meu tempo - pulou carnaval fantasiado de Pierrô, Colombina ou Arlequim. 
           Essas três interessantes figuras da Commedia dell´Arte, durante muitas décadas, participaram, ativamente, dos carnavais, nos clubes e na ruas. Hoje, pouco se ouve falar delas.

          A serpentina.  Apareceu em 1893; é anterior ao confete, nos festejos de Momo. 
          Conta-se, que algumas telegrafistas francesas, no final do expediente, brincavam "lançando umas sobre as outras as fitas de papel azulado usado nos telégrafos da época". 
          Um industrial as observou, gostou da brincadeira, e criou a serpentina carnavalesca.

          O lança-perfume. No começo, uma brincadeira saudável e perfumada. Depois, o folião mudou sua destinação. Passou a usá-lo como droga.
          Em 1961, o Presidente Jânio Quadros, em boa hora, proibiu o seu uso em todo o território nacional. E por culpa do folião infrator, o lança deixou de perfumar a folia!

          Por último, o confete.  
          Em 1892, os cariocas introduziram, no seu carnaval, o confete, inventado, no mesmo ano, em Paris. 
          De repente, um banho de confete. Pequenas partículas de papel, em cores variadas, cobriam o folião, nas famosas e divertidas batalhas de confete.

          Não há como falar em confete sem recordar a marchinha de David Nasser e Jota Júnior  - carnaval de 1952 - e que diz, com ternura, o seguinte:
         
"Confete/ Pedacinho colorido de saudade/ Ai, ai, ai,ai/ Ao te ver na fantasia que usei/ Confete/ Confesso que chorei."

          Durante muitos anos, meses depois do carnaval, que brincara intensa e ardentemente, eu encontrava, perdidos nas minhas roupas, dezenas de confetes...
         Descoloridos, sim, mas que me faziam recordar, com uma saudade danada, aquela Colombina que enfeitara, com um beijo ardente e demorado, o meu último carnaval...

  

Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 18/01/2008
Reeditado em 27/02/2008
Código do texto: T822217