Emília
Emília está em minhas lembranças e ocupa lugar bem alto nas boas recordações. É o que um homem poderia dizer de alguém que lhe foi cara e lhe tinha grande afeto, demonstrado no olhar, no abraço, nos beijos repetidos de um lado e do outro do rosto, na testa, carinhosamente efusiva quando o menino, lá, bem longe no tempo, saía da escola e passava pela casa onde ela vivia com a filha, Olinda. Era tanta alegria, que o menino recebia honrado e tímido, nos braços daquela octogenária nascida na Itália e abrigada no Brasil, onde viveu na roça com os filhos e desfrutava o epílogo na cidade quase grande.
Até onde sei, Emília, que era irmã de meu avô, chegou novinha, com uns sete anos, e viveu, e lutou, e chorou muito, de alegria, de tristeza, e falou muito, com a sua alma italiana. Quando me recebia, na casa da filha e, mais tarde, na casa de uma sobrinha que a acolheu, era aquela alegria de que falei. Sabendo que eu gostava de ouvir o italiano, ela, que não fora alfabetizada na língua, cantarolava e dizia pequenas frases para mim, segurando as minhas mãos e se alegrando de atender ao meu pedido de aprender um pouco. Eu gostava mesmo era da melodia da língua, e isso, ela, como nativa, tinha guardado muito bem. Com ela ouvi, pela primeira vez um ‘buongiorno’, um ‘per favore’, um ‘grazie mille’, habilidade linguística em que não evoluí vida afora.
Aos oitenta e tantos – e só me lembro dela assim – Emília usava coque, tinha o rosto bem vincado dos anos e o vestido comprido escondia as pernas abauladas. Eu lhe dava a atenção da criança que nem sempre pode progredir nos assuntos e, se não soube externar em palavras o que lhe sentia, certamente que o disse com minha presença e receptividade aos agrados daquela senhora, que tinha um amor tátil pelas crianças.
É tempo de Natal. Talvez por isso me tenha lembrado dela. Nunca, nunca, recebi um regalo material daquela senhorinha italiana, que me ensinou a transcendência do afeto. Toda criança merecia ter sua Emília.