Apego
A única certeza que temos na vida é que vamos morrer, invariavelmente, não temos como fugir da morte, mas vivemos como se pudéssemos, como se fôssemos tão importantes para o universo que seremos poupados de nossa sorte.
Por mais ilógico que possa parecer nos apegamos a coisas e pessoas das quais nos despediremos logo mais ou que serão arrancados de nós sem a possibilidade de um simples até mais.
Desde o nascimento somos instados a ter a posse de tudo a nosso redor, os pais em relação aos filhos que deles vieram e a eles hão de ser devotos, os filhos em relação aos pais que possuem obrigações para com eles, do nascimento à morte, às fraudas e chupetas, aos tios e avós, aos amigos e amores, ao dinheiro e ao prestígio, brinquedos de plástico e de carne e osso, nossos e para nós.
Pensamos sermos donos do mundo que nos cerca, num sono profundo de sonhos e desejo de que tudo e todos nos servem e servirão ao que nos propusermos.
Não despertamos para a realidade de que o corpo precisa apenas de água e comida para sobreviver, que a mente precisa apenas de uma razão, um significado, para se manter sã e nos mantermos vivos e inteiros, mesmo feitos em pedaços, que a alma e o coração só precisam de uma única coisa para viver eternamente e que é tudo que realmente importa, o amor, o amor que sentimos por nós e por tudo que envolve o além de nós.
Não há sentido em acumular bens materiais, diplomas, amores, súditos ou senhores, somos nós por nós, nascemos nus e sozinhos, e morreremos da mesma maneira, o apego às coisas do mundo nos mantém presos a uma ilusão de permanência que nos escraviza a uma vida que nasceu para ser vivida e não para se perpetuar.
Dizem que a melhor mãe do mundo é aquela que se faz desnecessária, que cumpriu seu propósito de orientação e cuidados, fazendo sua cria seguir sozinha seu caminho, que é amada e respeitada por quem é, mesmo diante de sua inutilidade.
É assim que todos e tudo, cada um cumpre seu propósito e se torna desnecessário, é nesse momento em que o apego se faz presente ou ausente, dependendo de como nos percebemos diante dessa inevitável realidade.
Hoje temos muito, amanhã poderemos ter apenas o sol sobre nossas cabeças, hoje estamos rodeados de pessoas que nos são caras, amanhã poderemos estar completamente sozinhos, seguindo nossos caminhos sem ninguém com quem contar, hoje podemos fazer um banquete com iguarias de todo o mundo, amanhã poderemos precisar de ajuda de estranhos para poder alimentar, e o contrário também se faz real, nada é imutável, e as coisas acontecerão como têm de acontecer e não podemos sequer prever.
Tudo passa, essa é a máxima!
Não quero, com isso, dizer que não devemos nos conectar, o apego é o inverso do amar, quando nos apegamos sentimos que precisamos, que não viveremos sem aquilo ou aquele alguém, quando amamos, mesmo que não estejamos do lado ou ao lado, nos sentiremos preenchidos e seremos gratos, gratos pelo tempo compartilhado, pelos momentos eternizados e com a certeza de que tudo aconteceu como devia e que serviu de aprendizado.
Há pessoas que nos acompanharão por toda nossa existência, outras estarão presentes em apenas algumas cenas do nosso filme da vida, algumas faremos breves vislumbres, mas todas às que nos conectarmos nos marcarão eternamente e o tempo vivido junto, não importa qual seja, será suficiente para que o barqueiro se sinta satisfeito com o pagamento e para que possamos sorrir internamente e dizer: Que bom que te conheci, espero te encontrar novamente.
Quanto à coisas materiais e desejos morais não há como formar uma conexão sem se apegar e, nesse apego, se nos virmos privados de seus benefícios, perderemos o sentido total de nossa existência, pois só de cogitar a possibilidade de não os termos mais, nos gera o medo de não sermos cotados como parte do que chamamos de sociedade, essa mesma sociedade que se acabará com nossa morte e dela não teremos nenhum resquício de norte.
Nada levaremos senão a energia das conexões firmadas e as memórias dos momentos vividos!
Diante disso, que possamos amar, sem medidas, e compartilhar do que o mundo pode nos ofertar, sem no entanto, nos apegar.