QUADRO NA PAREDE

É domingo. Marquei de assistir flamengo e vasco no apartamento de meu vizinho, que mora no andar de cima ao meu. É um sujeito alegre, carioca da gema, cujo único defeito ( pelo menos o mais explícito) é ser flamenguista e pegar no meu pé, porque o meu defeito é ser torcedor/sofredor do vasco. Fora isso, somos quase amigos. Quase, porque não tinha ido à casa dele, até agora. É que amizade não se confirma se não vamos ao menos uma vez na casa do pretendente a amigo. Casa é o lugar da intimidade. É ali que as máscaras são deixadas de lado, guardadas em gavetas. Dentro de casa baixamos nossas defesas. Bati à porta. Ele conferiu quem era pelo olho mágico. Um segundo depois, abriu a porta já me abraçando e me conduzindo para dentro, para a sala. Ato contínuo, sentei no sofá vermelho e preto. É flamengo até no sofá. Além do sofá rubro-negro, havia uma mesa de quatro cadeiras, uma cômoda vermelha com detalhes pretos (outro móvel flamenguista) e uma TV no centro. Nas paredes, apenas um quadro, que me me chamou atenção durante toda a visita. Era a mesma imagem da parede da casa da minha infância. Quadro comum, retratando uma casa rosa na beira de um riacho, galinhas no terreiro e um menino sentado, observando a paisagem. O jogo começou e o amigo flamenguista xingava os jogadores, insultava a mãe do juiz e eu viajando em memórias olhando aquele quadro. De repente, eu não estava mais ali, na sala assistindo ao jogo. Estava na sala com meus pais assistindo a algum programa na TV de tubo e sem controle remoto. A saudade tem dessas coisas. Precisa de pouco. Um gatilho que seja pra surgir do passado e tomar conta do presente.

Luiz Fraga
Enviado por Luiz Fraga em 17/12/2024
Reeditado em 17/12/2024
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