Moedas do barqueiro.
Essa carta é para Caronte que é uma figura mitológica grega, na qual aparece como barqueiro que transporta as almas dos mortos através das águas do Hades para o julgamento que irá determinar o local final de descanso. Essa carta, em verdade, é uma crônica. Afinal, os gregos acreditavam que os mortos precisavam de dinheiro para pagar Caronte por seus serviços e, desta forma, colocavam uma moeda bem na boca do falecido ou falecida. Caronte como figura pode ter sido influenciada pelas mitologias egípcia e mesopotâmica, nas quais também existem os rios do submundo que atrapalham o progresso das almas. Era filho de Érebo (Escuridão) e de Nix (Noite). Daí seu nome significar "brilho feroz". Estimado Caronte. Como etapa final de minha doença, eu morri. Mas, quero lhe adiantar que a moeda que vai na minha boca está encharcada de fonemas, palavras e significados. Talvez até contenha alguma poesia. Acho que tal qual Hércules tive que capturar aquele cão de três cabeças, Cérbero. Que aliás, não permitia que ninguém deixasse o Hades, sem ter Caronte ou Hermes como guia. Adianto-lhe, em prol de meu julgamento, que apesar de morta, ainda me sinto viva. Nunca fui racista. Almas sem a moeda eram obrigadas aguardar um século nas margens antes que Caronte lhe permitisse atravessar de graça. Depois, a tradição passou a colocar as moedas sobre cada olho. Olha, a inflação! Dobrou-se a paga. Confesso que, por vezes, me arrependi, pelo meu temperamento extemporâneo, explosivo e até enigmático. Arrependi também de esquecer de perdoar a todos que deveria. De qualquer forma, esforcei-me ao máximo para partilhar o conhecimento e, semear a aprendizagem e, sobretudo, sensibilizar consciências que eram ingênuas ou até anestesiadas. Não fui perfeita. Nem desejei ser. Mas, tudo que fiz, dei o máximo, pelo sim ou pelo não. Não trilhei todo o caminho em vão. Levai as moedas. E, que o pêndulo da injustiça não pese sobre mim.