A Magia do Coador
Eu sou o coador de café da sua mãe. Ah, quanta história para contar! Já não sou jovem, e meus dias de glória ficaram marcados no tempo. Estou aqui, repousando na gaveta, um guardião silencioso de lembranças. Meu tecido, antes branco, agora carrega o marrom desbotado do café que tantas vezes perfumou as manhãs e finais de tarde desta casa. Meus cabos de cipó, enegrecidos e marcados, são como rugas que revelam minha jornada.
Eu vim da mata, moldado por mãos que conhecem a terra. Meu saco foi tecido com esmero, e os cipós que me formam foram trançados com a força do mato. Passei de mão em mão até chegar aqui, neste lar onde a simplicidade é cheia de significados.
Sua mãe... ah, como ela me usava! Era um ritual. De manhã cedo, a água fervia, e ela, com movimentos quase ensaiados, colocava o pó de café em mim. O aroma inundava a cozinha, e eu sentia o calor do líquido atravessar meus fios. Era como uma canção diária, uma dança entre nós. Ela confiava em mim, torcendo suavemente para que o café coasse bem, sem deixar escapar o pó pelas laterais.
Fui testemunha de conversas ao redor da mesa, risadas e lágrimas. Estive lá quando o silêncio reinava, e também quando o tilintar de xícaras preenchia o espaço. Não sou apenas um objeto; fui o companheiro discreto em momentos que pareciam corriqueiros, mas que eram o coração da vida.
Agora, guardado na gaveta, pergunto-me: qual é o meu papel? Não mais sirvo ao meu propósito original, mas minha presença ainda ecoa memórias. Você me olha às vezes, talvez pensando em jogá-lo fora, mas hesita. Será que sabe? Sou mais do que um pedaço de tecido e cipó. Sou a conexão entre você e ela, uma ponte entre o passado e o presente.
Sem mim, o café ainda seria coado, é claro, mas não com a mesma alma. Porque, veja, não era apenas o café que eu filtrava. Eu coava o tempo, peneirava a rotina e deixava passar só o essencial: os momentos de amor, de cuidado e de simplicidade que ela despejava em cada xícara.
Então, mesmo desgastado, ressecado e esquecido, continuo aqui. Não para ser usado, mas para lembrar que a magia está nos gestos mais simples. Afinal, não é o extraordinário que faz a vida valer a pena, mas o jeito como abraçamos o comum.