Murmura o Mar
O ano de 1969 começava e, também, a contagem regressiva para a vida nova na capital, tanto adiada, ansiada e temida.
Num domingo de janeiro, de tardezinha, peguei o ônibus e, pela primeira vez, sabia que era definitivo: já não cabia naquela casa, era uma questão de espaço. Meu pai e minha mãe já tinham cumprido a obrigação. Era minha vez.
Com a noite caindo, encolhido no ônibus da Santa Maria das 18 horas, rodava na minha cabeça a música “Le Bruit des vagues", na versão brasileira interpretada por Altemar Dutra. Na memória, ao mesmo tempo, assistia a um filme com as cenas de 1968: serenatas, namoros, flertes, esperanças, desilusões, jogos de futebol, a Sociedade Esportiva Galícia, passeios nas fazendas, banhos nos rios, povoados, fogueiras das festas juninas, amigos que ficavam, o prêmio literário com o poema "Surdina", premiado no Grêmio Estudantil da Escola de Comércio Profa. Maria Dolabela, o fracasso do jazz-band ... Tudo ficando para trás e a música francesa machucando o coração.
As lágrimas desciam à medida que o ônibus avançava na poeira e na escuridão da antiga estrada Pitangui-Pará de Minas. Depois, vinha o calçamento poliédrico até Juatuba e, finalmente, o asfalto e iluminação até Belo Horizonte. A sucessão de bairros, cidades, a publicidade na beira da estrada, o movimento dos ônibus, carros e caminhões, isso me distraía e eu esquecia um pouco o que ficava para trás. Enxuguei as lágrimas. Até começava a pensar que podia acontecer muita coisa boa na cidade grande.
E aconteceu.