O Velho Carreiro
Era o ano de 1942, eu morava no 960 da Carlos de Campos, bem em frente ao Curtume Cantúsio. Passavam três vezes por semana, subindo a rua, 3 carros de boi carregados com lenha, destinada às lenhadoras do meu bairro. Nós garotos da minha rua havíamos notado que, sempre conduzindo o último carro vinha um mulato alto e magro em cuja mão direita faltavam 3 dedos, sempre com o ferrão de cutucar os bois na mão esquerda, ele parecia ser um homem triste e calado. Então, nós garotos, que sempre assistíamos à passagem dos carros, demos corda à nossa imaginação e criamos uma estória a respeito do carreiro misterioso. Criamos que aqueles dedos que faltavam na sua mão, fora uma chifrada de um boi e por isso é que ele judiava tanto dos bois, se bem que nós nunca o viramos batendo nos animais, e eles estavam muito marcados de ferrão.
Certo dia lá vinha o carreiro fechando o comboio, então ele parou perto de nós e disse, quem poderia lhe dar uma caneca de água. Eu prontamente peguei da sua mão a caneca que era de um litro de óleo Sol Levante com uma alça muita bem feita e fui buscar a água.
Ele, sentado na sarjeta ao lado do carro de bois, chamou todos nós para mais perto, e enquanto bebia a água foi dizendo que ele havia perdido aqueles dedos quando o carro tinha atolado em uma estrada de terra, e ele fora ajudar os bois, fazendo força numa das rodas. Porém, como estava muito liso, ele escorregou e caiu com a mão embaixo da roda que voltou e, praticamente arrancou os seus dedos e, que aqueles bois que estávamos vendo, era para ele a sua família. Cada um tinha um nome e sempre atendia ao seu chamado e, que aquelas marcas que os bois tinham no lombo eram cicatrizes de bicheiras, muito comuns em animais que posam pastando em campo aberto. Por fim, mandou um menino pegar o ferrão que estava encostado no carro e nos mostrou a ponta do ferro. Era redonda e não poderia nunca ferir animais e disse, “Eu me chamo Venâncio e não sou triste, pelo contrário sou alegre por Deus me dar tantos anos de vida fazendo o que eu mais gosto”. Foi uma resposta a tudo que havíamos imaginado, mas nunca alguém havia lhe dito nada. Agradeceu e seguiu Carlos de Campos acima com seu carro e seus bois.